quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Meditação

Como contraponto à extroversão dos ritos, devoções e criação inspirada (que formam o lado visível do caminho druídico), torna-se necessário ter um pouco de introversão, recolhimento, serenidade que equilibrem o todo, e é aí que entra a meditação.
A imagem do Druida vestido de branco e sentado em contemplação à sombra do grande carvalho nos vem tão naturalmente ao espírito que parece estranho que os historiadores Gregos e Romanos que os conheceram diretamente não tenham deixado nada escrito sobre isso...
Um texto irlandês sobre cura datado do período medieval diz que nas casas de cura (descritas como amplas, arejadas e com água corrente à mão), após o banho de vapor (não dessemelhante à tenda do suor xamânica) os pacientes eram encorajados à prática de dercad, ou contemplação, para alcançar um estado de sítcháin ou paz -- Jason Kirkey notou que "sítcháin-dercad" tem virtualmente o mesmo sentido que a expressão shamatha-vipassana, que descreve uma técnica específica de meditação Hindu e Budista onde apenas se observa a respiração e ocasionais pensamentos que se intrometam nessa observação.
Na AODA, a ênfase é dada à meditação discursiva, onde se escolhe um tema específico (uma frase, um símbolo, um conceito) e os pensamentos que surgem devem se ater apenas ao tema escolhido, sem digressôes -- essa prática tem suas raízes no Renascimento Druídico do século XVIII, e veio às Ordens druídicas fundadas naquela ocasião a partir de manuais de meditação devocional da Igreja Anglicana, mas isso não tira a validade nem desmerece a eficácia da prática em si.
Grupos mais ligados aos Culdees, os Cristãos Celtas primitivos, se dedicam à prática da recitação de "mantras", frases repetidas em Irlandês, com o uso de rosários para manter a contagem.
Eu criei uma prática meditativa baseada em Nove Palavras em Irlandês, Galês e Gaélico, que às vezes faço com um rosário de 27 contas, 3 grupos de 9, mas na maioria das vezes apenas entôo as Palavras -- no entanto, uma meditação favorita à qual recorro com frequência é a de ouvir o silêncio: concentro a atenção no fato de haver silêncio dentro de meus ossos, vou expandindo o foco para fora do corpo e à volta dele, e logo o mundo é um campo de silêncio que os sons atravessam de lá para cá como peixes no oceano, e logo eles se tornam irrelevantes diante da beleza do Silêncio, que é o outro lado da Grande Cançâo e participa dela...

Bendita a Paz e a sua Contemplação
Bendita a Mente atenta ao Pensar
Benditos os Sons que guiam a Mente
ao Silêncio que tudo sustenta

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Inspiração

Mais uma definiçâo do Druidismo: o caminho da busca da Inspiração...
Esse é um tema caro aos Druidas, antigos e modernos -- a Inspiração, que os Galeses chamam de Awen, o Espírito Fluente, e os Irlandeses de Imbas, visto como o Fogo-na-Água, e que, como suas imagens e metáforas dão a entender, reúne em si opostos aparentemente irreconciliáveis e forma com eles algo diferente e maior que a soma de ambos.
Philip Carr-Gomm escreve em The Druid Way que uma diferença entre o Druidismo e a Wicca é que esta tem como tema mágico central a união das polaridades Deusa/Deus, Lua/Sol (conforme simbolizado no Grande Rito), enquanto aquele enfatiza mais o fruto da energia gerada nessa união (às vezes simbolizado pelo Mabon, a Criança Divina), que é a Criatividade em todas as suas formas.
Há quem favoreça uma abordagem mais "quietista" da Inspiração, preferindo sentar em silêncio e esvaziar a mente à sua espera; mas parece que métodos mais ativos são possíveis.
Erynn Rowan Laurie, poetisa/Fíli e uma das fundadoras do Reconstrucionismo Celta, traduziu do Irlandês o poema do século VI "O Caldeirão da Poesia", supostamente atribuIdo ao lendário poeta-Druida Amergin, que descreve um sistema de três caldeirôes no organismo psicofIsico humano bastante similar aos chakras Indianos, e cuja ativação permite acessar e recolher em si o fluxo da Inspiraçâo -- aparentemente a ativação implica tanto em respiração rítmica quanto num trabalho quase alquímico de processamento e transmutação de duas emoçôes fundamentais, a tristeza e a alegria.
Por outro lado, talvez seja bom lembrar que a Inspiraçâo não é necessariamente um estado etéreo e contemplativo: o que Amergin descreveu em sua Canção como o "fogo-na-cabeça" e que um cronista medieval em visita ao País de Gales chamou de "furor visionário" deve ser abordado com certo cuidado -- não é à toa que a poçâo do caldeirão de Ceridwen queima o dedo de Gwion Bach e seus restos envenenam o riacho quando o caldeirão estoura!
O que estou fazendo ao escrever os 30 Dias é fruto da Inspiração no seu melhor: assim como todos os que participaram do II Encontro Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta, entre 12 e 14 de Novembro deste ano, como consequência das energias circulantes no evento fui "fecundado" pela Inspiração e ela flui sem cessar: estou escrevendo estes textos a todo e qualquer momento mais tranquilo, as palavras escorrem de meus dedos para o teclado, e acho que se deixasse o processo correr desimpedido acabaria escrevendo todos os 30 textos em menos de 10 dias sem dificuldade alguma...
E talvez devesse deixar claro que a Inspiração não pressupõe apenas obras de arte: um Druida pode ser escritor, cozinheiro, psicoterapeuta, músico, advogado, tanto faz -- a Inspiração se manifesta a cada um com aquilo que mais necessite e sempre dá frutos na vida de quem a receba.

Bendita a Inspiração sempre-fluente
Benditos os que se abrem a seu fluxo
Benditos os frutos da sagrada uniâo
entre o Fogo e a Água

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Roda do Ano

O Neopaganismo (se é possível falar de todas as suas vertentes como se fossem a mesma coisa) data o conceito da Roda do Ano de sua fundação, concebida por Gerald Gardner (o pai da Wicca) e seu amigo Ross Nichols (fundador da OBOD), onde o ciclo das estações se fundiu com as 4 Festas Célticas num todo coerente que, pelas evidências de que dispomos, nunca existiu antes do trabalho deles.
Num contexto Europeu de clima temperado com quatro estações bem definidas, a Roda gira a contento -- mas quando ela é trazida para outros países ou mesmo hemisférios, a coisa muda: como celebrar Imbolc em fevereiro no Brasil e dizer no rito "agora o Inverno começa a perder força" no calor bestial do auge do Verão? Como trazer o simbolismo da morte e dissolução do Samhain em Novembro, em pleno renascer da força vital, só porque o dia de Finados abre o mês? Que sentido há em chamar o Lughnasad de "festa da colheita" quando no Brasil em todo mês há a colheita de alguma verdura/fruta, sem cessar o ciclo? E a região Amazônica, que só conhece duas estações, a seca e a chuvosa, onde coloca os Festivais?
Há quem insista em seguir a Roda do Norte aqui por questão de tradição, e que não veja sentido em celebrar o Samhain em maio se Finados permanece em novembro; há quem inverta tudo e crie a Roda do Sul, mas que precise brigar com a incongruência de festejar o calor e a vitalidade do Beltane quando família e amigos estão mais no clima de Finados; há quem faça a Roda Mista, com as estações pelo Sul e as festas Celtas pelo Norte; e há quem deixe a Roda de lado para seguir outros calendários rituais, ou adapte as datas fixas da Roda de acordo com a sua bioregiâo -- o Lughnasad na caatinga, na Amazônia, no cerrado e no litoral vai necessariamente ser celebrado de modo diferente e em datas diferentes, e isso é bom.
Meu grupo, o Ramo de Prata, celebrava as estações de acordo com o clima, mas na hora das festas Celtas tivemos a Inspiração de comemorá-las como pólos complementares: Imbolc e Lughnasad são ambos festivais de Divindades das Artes (Brighid e Lugh) que dominam a Água (o poço de Brighid, a chuva de Lugh) e o Fogo (a chama de Brighid, o raio de Lugh), e do mesmo modo Beltane e Samhain são festivais nos quais a passagem entre este mundo e o Outro-Mundo se abre, onde o Dagda, que guarda a Vida, se une à Morrighán, que rege a Morte, e as almas dos falecidos e nascituros cruzam os caminhos entre os mundos sob a proteção de ambas as Divindades -- parece estranho ler isso escrito assim, mas garanto que quem esteve presente numa de nossas cerimônias e sentiu a polaridade unindo extremos da Roda não esquecerá tão cedo...
Quanto a mim, eu observo as estações desde antes de saber que o meu caminho se chamava Druidismo: beber o suco das amoras e cheirar o perfume do manacazinho da Primavera, comer as pitangas e colher as flores do flamboyant no Verão, coletar os cachos de uva-japonesa e as folhas caídas do plátano do Outono, ver as flores da azaléia enquanto ceifo a erva-de-passarinho no Inverno eram todas ações que faziam parte da minha vida desde sempre, e que depois foram conscientemente ritualizadas para serem seguidas até hoje.
Como em tantas coisas da prática druídica, não há uma solução que sirva a todo mundo, mas sim inúmeras oportunidades de prestar atenção no mundo à nossa volta e notar o que realmente está ocorrendo, em vez de seguir um calendário abstrato e arbitrário, e interagir criativamente em diálogo com esse mundo em mutação.

Bendito o Ano que gira na Roda
Benditos os ciclos de Vida e Morte
Benditos os que vêem em cada giro
a obra dos Deuses

domingo, 27 de novembro de 2011

Ritual

"Ritual é poesia no mundo das ações"

Essa frase de Ross Nichols descreve bem a natureza do ritual: na poesia, palavras são arranjadas de um modo específico com o objetivo de evocar uma resposta emocional específica no público; no ritual, as ações e o simbolismo nelas expresso tomam o lugar das palavras, e o público aí abrange os participantes visíveis e invisíveis do mesmo.
Outra definição é que o ritual é o mito tornado visível -- há um mito detrás de cada rito, há um rito implícito no relato de cada mito -- e se, como já foi dito, um mito se passa fora-do-tempo, o rito o torna manifesto no aqui-e-agora para que nós, que existimos no tempo, tenhamos acesso a ele.
Sendo o ritual poesia, e portanto linguagem (na qual nós falamos ao Sagrado e o Sagrado fala a nós), é necessário aprender o seu "vocabulário" primeiro: mitos, histórias, arqueologia, fantasia, fornecem as imagens e conceitos que serão articulados na forma de atos durante o rito.
Por exemplo, no meu rito matinal, no altar da cozinha, eu começo derramando água no cálice, e isso evoca as Águas primordiais fluindo do abismo universal para iniciar a Criação; acendo a vela, e isso é a descida do Fogo Celeste que é a centelha de Vida; toco a coluna da parede, e estabeleço a Árvore do Mundo como o Eixo em volta do qual o Mundo se organiza; volto-me às Direções (leste, oeste, norte, sul, acima, abaixo, centro) e defino os limites universais; invoco os Deuses, Ancestrais e Espíritos, que povoam e ordenam o Cosmos recém-criado; agradeço e encerro -- e aí posso usar a Água para abençoar a água do chá, que então aqueço no fogão que foi aceso a partir do Fogo, e à qual acrescento as ervas consagradas pela Árvore, e assim os 3 Reinos estão unidos na minha xícara: ou seja, a cada manhã eu recrio o Mundo de novo, e por este ato abençôo o meu desjejum e o dia que se inicia (e antes que alguém pergunte, esse rito não demora mais que um minuto completo -- não são necessárias horas de incessante recitaçâo de versos em alguma das línguas Celtas!)
Claro, um ritual como este pressupôe um altar doméstico, tempo, privacidade e silêncio para ser executado como o descrito: e se um desses fatores, ou todos, faltarem, isso significa que não é possível fazer rituais?
Pensem naquela meditação do sangue e dos 3 Reinos...agora, imaginem que ela seja aplicada à xícara de chá (ou café) que vocês recebem de manhã em casa ou tomam na padaria da esquina ou ao chegar no trabalho, com as visualizações correspondentes e recitada mentalmente em alguns segundos: feita com a intenção correta, essa cerimônia é tão eficaz quanto a outra (e conta com a vantagem de poder ser feita diante de outras pessoas sem atrair atenções indesejadas!)
Diversidade, aí, continua sendo a palavra-chave: cada um de nós vive em condições de vida diferentes, e a solução que serve para uns não vai ajudar aos outros, assim sendo cabe ao indivíduo observar seu ambiente e rotina de vida e ver o que pode ser modificado para facilitar a prática e o que não vai mudar e exige que o indivíduo se adapte à situação do melhor modo possível, sabendo que de qualquer modo Deuses, Ancestrais e Espíritos dão valor maior à boa vontade de quem tenta se aproximar Deles como puder.

Bendito o Rito, forma visível do Mito
Bendito o Sagrado presente em cada Rito
Bendita a linguagem na qual o Sagrado
se expressa diante de nós

sábado, 26 de novembro de 2011

Espíritos da Natureza

Provavelmente o culto dos Espíritos da Natureza é o mais característico do meio pagão em geral e druídico em particular (pois todas as crenças, mesmo as monoteístas, adoram a Divindade e de algum modo honram aqueles que se foram, mas só as de cunho animista reconhecem que a Natureza é povoada de seres de outra ordem de existência e lhes prestam reverência).
Mas essa questão é, talvez, a mais mal-compreendida e sujeita a distorções e erros de todo o tipo, talvez porque Eles se manifestam como sendo Outros, num estranhamento mútuo que levou nosso relacionamento com Eles a ser, digamos assim, mais tumultuado que com os Deuses ou os Ancestrais.
Por exemplo, o que há de comum entre os altos, lascivos e ferozes Sídhe das colinas da Irlanda e as minúsculas fadinhas da era Vitoriana, de asas de borboleta e véus de gaze?
Porque a tradição da Irlanda é ambivalente quanto a Eles, aconselhando a lhes ofertar leite com mel na soleira da porta de casa para atrair suas bênçãos mas evitando a todo custo chamá-los pelo nome "fadas" e usando eufemismos como a Boa Gente, o Povo das Colinas, em seu lugar?
De que modo os contos de Perrault e dos irmãos Grimm vieram a chamar as entidades benfazejas que ajudam Cinderela e a Bela Adormecida de "fadas madrinhas", quando o folclore irlandês registra dúzias de orações e simpatias cujo único propósito é evitar que os bebês recém-nascidos sejam raptados pela Boa Gente?
Porque Morgana, irmã do rei Arthur, é sempre chamada de Fada (e até hoje a miragem das costas do Adriático, que pôe em risco a navegação, é chamada pelos marinheiros de "fatamorgana")?
Autores como R.J.Stewart e Kathryn NicDhàna observaram com muita propriedade que as Gentes não são um grupo monolítico e coerente, mas sim incontáveis tribos diferentes, algumas delas declaradamente hostis aos humanos, outras amigáveis e até dispostas a trabalhar em conjunto com eles, e uma maioria que alterna entre a curiosidade e a indiferença por nós -- aí caberia o discernimento, por parte do humano interessado, de saber claramente que tipo de ser ele está contatando dentre a Boa Gente e como lidar com ele, e levando em conta que nós somos tão "alienígenas" para eles quanto eles para nós, e que por isso eles podem nos causar dano sério com a maior das boas intenções justamente por causa dessa ignorância básica sobre nós, sem qualquer má-fé implicada -- como diz o ditado, "prevenido é preparado"
Mas o mundo dos Espíritos da Natureza inclui outros seres: por exemplo, as entidades animais, vegetais e minerais que o xamanismo chama de Aliados de Poder são desta ordem, e após milênios de interação com os xamãs um protocolo de cooperação mútua e um sentimento de boa vontade entre ambas as partes já está bem estabelecido e oferece um caminho seguro para quem quiser seguir (desde que com a devida orientação); dentro de certa medida, o mesmo vale para os Elementais da Magia Cerimonial ou os Devas da Teosofia.
O que eu posso dizer é que, quando criança, eu sabia que podia chamar o vento ao abrir os braços devagar, e ele sempre vinha -- eu tinha a intuição que não era coisa minha, mas de um Outro que fazia o vento e vinha ao ser chamado pelo gesto -- e hoje ele é um dos seres com que eu cultivo um relacionamento, sabendo dele nome, símbolo e tudo, mas não os conto a ninguém (as lendas dizem que se o humano trai a confiança da entidade e revela seus segredos, o vínculo se rompe e a entidade se afasta, com sorte sem retaliação...).
Só posso dizer, a quem se interessar em seguir o caminho de um relacionamento mais profundo com a Natureza, que se escolher bem seus guias e tratar a relação de modo honrado, as portas do Outro-Mundo se abrirão...

Bendita a Natureza e seus Espíritos guardiâes
Benditos os Espíritos e aqueles que os amam
Benditos os vínculos de confiança mútua
a serem tecidos entre nós e Eles

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ancestrais

No meio druídico, costumamos falar não de um tipo de Ancestrais, mas de três: os do Sangue, de quem viemos, os da Terra, que habitavam aqui antes de nós, e os do Espírito, todos os que contribuíram para a nossa formação -- ou, na liturgia do meu grupo,

"Ancestrais do Sangue,
Cujos ossos formaram os nossos,
Ancestrais da Terra,
Cujos ossos são o solo que pisamos,
Ancestrais do Espírito,
Em cujos ossos a Sabedoria foi escrita"

Mas há dois aspectos, um material e um espiritual, que raramente são abordados nessa questão dos Ancestrais...
Primeiro, façam as contas comigo: cada pessoa viva teve 2 pais (2 elevado a 1, ou 2^1), 4 avós (2^2), 8 bisavós (2^3) e assim por diante, mais ou menos 3 gerações por século -- o problema é que, ao chegarmos na trigésima geração (2^30), lá pelo século XI, o número resultante é muito superior ao da população mundial da época...e o que significa isso? Apenas que houve superposiçäo das árvores genealógicas, com consanguinidade associada, e assim dois estranhos juntos no elevador hoje tem com certeza matemática centenas de ancestrais em comum -- claro, quanto mais se recua no tempo maior é a comunhâo ancestral, até culminar na Eva Mitocondrial, a Ancestral comum a todos os humanos hoje vivos...
Segundo, geralmente o culto aos Ancestrais pressupõe que todos eles estão juntos no Outro-Mundo, numa comunidade coesa e sempre crescente; mas, se a reencarnação for uma realidade (e há controvérsias no meio druídico sobre isso), então boa parte deles voltou ao nosso mundo e talvez ande entre nós, talvez até como nós mesmos, talvez volte em breve como nossos filhos e netos -- uma frase da OBOD, citada por Philip Carr-Gomm, diz

"As canções de nossos ancestrais são as canções de nossos filhos"

...e então, como ficamos diante disso tudo?
Eu faço oferendas aos Ancestrais toda Lua Nova, e rezo a eles agradecendo por minha vida e pelo que de bom me ocorreu, e rezo por eles, onde quer que estejam, aqui ou lá do outro lado; mas agora vejo que, quando honramos os nossos Ancestrais, honramos os de todo mundo também, incluindo a Eva, cujos ossos dormem na Terra, cujos genes circulam em nosso sangue, e cujo espírito segue rumos desconhecidos...

Benditos os Ancestrais, Sangue, Terra, Espírito
Bendita a Fonte comum a todos que vivem
Benditos os laços que unem vivos e mortos
numa Família diante do Sagrado

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Divindade e Crença

Para falar das Divindades, näo vou falar dos panteôes dos povos Celtas, mas vou fazê-lo por um caminho algo tortuoso, para o que peço a paciência de quem me ler.
Dizem que uma imagem vale por mil palavras...






Pergunto: quais são as cores do arco-íris?
Se os que me lêem são ocidentais modernos, como deve ser o caso, dirâo "sete": vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil, violeta -- no entanto, esse "meme" das 7 começou com Isaac Newton, criador da moderna teoria do espectro das cores, e que estabeleceu o número sete para fazer par com as sete notas musicais e os sete planetas clássicos.
Goethe, criador de uma teoria alternativa das cores, diria "seis" com a exclusão do anil.
Chineses, e depois os Japoneses, diriam "cinco", fundindo azul e violeta, fazendo par com os cinco Elementos do Taoísmo e as cinco notas da escala pentatônica.
Os Nórdicos antigos, falando da Bifrost, a Ponte do Arco-Íris, diriam "três", vermelho, amarelo, azul.
Um certo povo aborígine (cujo nome sabia, mas esqueci) diria "duas" -- sim, o vocabulário de cores deles se resume a "cor quente" e "cor fria" (ou "vermelharanjamarelo" e "verdazulanioleta").
Portadores do daltonismo completo diriam "uma" -- o arco-íris para eles é uma faixa cinza luminosa e sem gradação perceptível.
Cegos não responderiam, pois a questâo está fora do seu universo cognitivo.
Onde quero chegar com isso?
Bem, se para falar de um fenômeno físico objetivo, de cuja existência real ninguém discorda, que pode inclusive ser fotografado e filmado, não existe um consenso estabelecido que dê uma resposta única à minha questão, é de se estranhar que ao abordar o Sagrado, cuja mera existência é foco de controvérsia, o desacordo seja ainda maior?
Politeístas vêem o Divino como Muitos (discordando do número exato), Católicos e Hindus de alguns grupos o vêem como a Trindade, Zoroastrianos e Wiccanos são duoteístas, Judeus e Islâmicos falam do Único Deus, ateus negam a Divindade...
Eu sou politeísta exclusivo, não consigo perceber o Divino sem ser no plural (e isso desde a infância, ao reconhecer os deuses Gregos nos livros de Monteiro Lobato como sendo algo que eu já conhecia); no entanto, depois que a Inspiração me mandou essa idéia do arco-íris, ficou mais fácil para mim compreender as crenças dos outros, mesmo não sendo as minhas -- agora, para mim, "crença" é apenas o filtro pelo qual nossa consciência tem acesso ao Sagrado, e o meu filtro não tem porque ser melhor ou pior que o dos outros, é apenas o meu; agora, juízos de valor não tem mais razão de ser, porque mais importante que a crença é a experiência viva do Divino e a reação universal diante dele:

"Pois foi em redor da Liberdade que os homens travaram suas batalhas; por oposição, ante a face da Beleza, todos os homens estendem as mãos uns aos outros como irmãos"
(Khalil Gibran)

Bendito o Divino, real em Si Mesmo
Bendita cada crença que revela o Divino
Bendita a diversidade de crenças,
Pois uma floresta é feita de todo tipo de árvores

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Prática Diária

Uma coisa que muita gente pergunta aos que seguem o Druidismo: "Tá bom, vocês tem esses oito Festivais no ano -- e nos intervalos, vocês não fazem nada?"
Concordo que as grandes cerimônias, os mitos sazonais, as oferendas, música, dança, comida (e bebida...) que caracterizam os Festivais são pontos altos do ano cerimonial, mas se fosse só isso que o Druidismo tivesse para oferecer, seria o caso de perguntar se essa religião vale a pena...
Como foi dito, com muita propriedade, por uma famosa Druidesa do Pará, nem todos os seguidores do Druidismo tem uma vocação para serem Druidas e viverem em grandes ritos; guerreiros, bardos, artesãos, curandeiros, donos-de-casa tem seu lugar no Bosque Sagrado, e todos esses caminhos se fundamentam nas práticas diárias de cada um.
Imaginem uma cultura onde cada ação, por mínima que fosse, do despertar cedo ao adormecer, fosse pontuada por pequenas preces, gestos do dia-a-dia como acender a lareira de manhâ e apagá-a à noite, comer, beber, estrear uma roupa nova, ver o primeiro fio da Lua Nova, etc, etc, etc...
Pois bem, isso era a prática corrente das aldeias da Escócia no século XIX, quando Alexander Carmichael saiu de povoado em povoado, puxando conversa com pastores de ovelhas, tecelãs, ferreiros, padeiras, e recolhendo todas as orações de que eles se lembravam, numa coleção -- a Carmina Gadelica -- que é leitura essencial para quem segue um caminho Celta e quer aprender a encher seus dias e noites da presença do Sagrado:

"Saudações eternas a ti,
ó Lua Nova, nesta noite,
Pois tu és para sempre
A alegre lanterna dos pobres
"
(Oração da Lua Nova)

Algumas pessoas, além das orações, sentem falta de algo visível/palpável que as ajude a se lembrar da sacralidade do dia-a-dia, e para essas o altar doméstico é uma boa opção: não é necessário ter dúzias de objetos e centenas de estátuas (nunca é demais lembrar que os Celtas só começaram a fazer imagens dos Deuses após a romanização, e ainda assim raramente), mas algo simples como o Fogo (vela/incenso), Água (cálice) e Árvore (vaso de flor, ramo colhido, escultura), evocando os 3 Reinos, já basta como estrutura básica: uma central de símbolos diante dos quais a mente se aquieta e redescobre o Sagrado ali e em si mesma, em preces matinais e/ou no final do dia, em oferendas de comida, bebida, flores, incenso, poemas/canções...
Além dessas práticas gerais, outras se agregam à lista de acordo com o caminho individual do praticante: um Guerreiro pode oferecer uma hora de treino de arte marcial a Morrighán, um Bardo pode fazer votos de escrever um poema por dia em nome de Oghma, um devoto de Brighid pode fazer a vigília do Fogo Sagrado em seu nome, um Druida pode se dedicar a memorizar uma Tríade por dia...
Não haverá quem tenha uma prática igual a de outra pessoa (o que seria sinal de uma falta de imaginação indigna de quem professe seguir o Druidismo!), mas todas, diferentes como sejam, simples ou complexas, só se justificam se levarem os que as praticam a despertar a consciência da Presença em cada momento do dia.

Bendito meu dia quando desperto
Bendito tudo quanto nele fizer
Bendita minha noite quando me recolho
E meus sonhos, até o Sol nascer

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Espaços Sagrados

Eu iria falar aqui sobre Stonehenge, Newgrange, Tara, Glastonbury e tantos outros lugares ditos sagrados, mas outras pessoas já o fizeram melhor que eu -- a questão dos espaços sagrados, sejam domésticos (altares) ou exteriores (santuários), não pode ser entendida se não pararmos agora e analisarmos um ponto importante.
Mais uma vez, quando olhamos com olhos de Druida a palavra "sagrado", o que vemos aí? Nada menos que o pressuposto que o grande Mircea Eliade descreve quando fala que o sagrado se distingue do profano e é por ele definido -- ou seja, há lugares, objetos, seres e situações "não-sagrados", e o mundo é um oceano de profanidade com esparsas ilhas onde o sagrado se manifesta...
Muitos foram os que perceberam isso antes de mim, claro, mas acabaram caindo no erro oposto de achar que "tudo é sagrado" (e até mesmo atribuir essa visão de mundo aos Celtas antigos!) -- no entanto, como disse um sábio, "se todo mundo é especial, isso significa que ninguém é".
"Mas", dirão vocês, "o sagrado existe, há uma grande diferença entre o que eu sinto diante do meu altar e passando pelo depósito de lixo perto de casa!"
Sim, a experiência do sagrado, do numinoso, da Presença é real, até mesmo para leigos totais no assunto: porém, me parece que a questão foi descrita de modo certeiro e irretocável por Aldous Huxley:

"Se as portas da percepção fossem abertas, tudo pareceria ser como é, infinito"

Ah, então é uma questão de saber ver?
O grande bardo William Blake dizia:

"Para ver o Mundo num grâo de areia
e o Paraíso numa flor silvestre,
Segura o Infinito na palma da mâo
e a Eternidade numa hora"

Agora vemos que ambas as visôes descritas no começo são viáveis em si mesmas e compativeis entre si -- tudo é sagrado, mas nós às vezes não sabemos ver do jeito certo e aí fazemos distinção entre sagrado e profano.
Já foi dito no meio druídico que o Outro-Mundo não é mais que este mundo quando visto com outros olhos; do mesmo modo, o que distingue os santuários mencionados nas primeiras linhas deste texto dos outros lugares "comuns" é que lá, por uma série de fatores, é mais fácil ao observador olhar-de-outro-modo e perceber a Presença manifesta -- se ele fizesse a mesma coisa, digamos, na cozinha da sua casa, ele a descobriria como um lugar sacrossanto, o Santuário do Fogo do Lar, e essa experiência mudaria o modo como ele se comporta ali (talvez ele passasse a rezar antes de cozinhar ou comer, talvez criasse um minialtar numa prateleira da janela, quem sabe?)
E por esse prisma, vemos que não existe "consagração", o ato ritual de tornar sagrada alguma coisa: o rito, se for bem feito, apenas nos desperta a atenção para a sacralidade já presente ali, da qual nos havíamos esquecido ou ignorávamos, e essa atenção abrange o celebrante e os presentes ao rito -- o que é um dos motivos pelos quais a tradição druídica de ritos abertos ao público é fundamental no processo de educar a consciência coletiva sobre a verdadeira natureza da Natureza, e mostrar que coisas simples como recolher o lixo num parque são cerimônias sagradas para quem sabe ver-com-olhos-de-Druida.

Bendito o Sagrado, que é em toda parte
Benditas as partes onde o Sagrado se revela
Benditos os que sabem que o Sagrado
é Aqui e Agora

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Elementos

"Eu me levanto hoje pela Força do Céu,
Luz do Sol, Radiância da Lua,
Esplendor do Fogo, Velocidade do Raio,
Leveza do Vento, Profundidade do Mar,
Estabilidade da Terra, Firmeza da Rocha
"

(Lorica de São Patrício, 433 d.C. )

Como se pode ver, nem mesmo a Cristandade pôde tirar do bom Padraig a Celticidade no que ela tem de mais pagâo, a comunhão com o mundo natural, que é visto como bom, como tudo o mais que Deus criou.
Essa é a versão mais conhecida de uma lista de Elementos que compõem o mundo, que em outras versões tem 7, em um caso raro 11, mas que geralmente os lista como sendo 9 no total; as listas, independentemente de seu tamanho, em sua maioria correlacionam cada Elemento a uma parte do ser humano, num paralelo macrocosmo-microcosmo:

Céu--cabeça
Sol--face
Lua--mente
Vegetaçâo--cabelo
Nuvem--cérebro
Vento--respiração
Mar--sangue
Terra--carne
Rocha--osso

Algumas listas, como essa, incluem a Vegetação excluindo o Fogo: quando ele é incluído, seu correspondente é às vezes o olho, às vezes a alma; do mesmo modo a Nuvem e o Raio são intercambiáveis, embora aqui haja uma relação mais óbvia entre eles...Uma versão num manuscrito medieval, as Sete Partes de Adão, pôe o Espírito Santo como relativo à alma, e faz a interessantíssima proposição pela qual o Elemento que predominar na constituição do indivíduo também determina seu caráter, numa classificação tipológica peculiar (se a Rocha, melancólicos, se o Vento, instáveis, etc).
Mas olhemos essa lista de perto, com olhos de Druida...se os ossos, por exemplo, são as Rochas do corpo humano, as rochas são os Ossos do Mundo, não é?
Se estendermos isso aos outros Elementos, surge a imagem do Mundo como um gigantesco organismo -- essa imagem, na cabeça de vários autores acadêmicos e praticantes do Reconstrucionismo Celta, parece apontar para a possibilidade de que o desconhecido Mito da Criação Celta incluísse uma cena onde uma Divindade sacrifica Outra e usa as partes do Seu corpo para criar o Mundo e tudo o que há nele (os Nórdicos tem um paralelo no mito em que Odin e seus irmãos sacrificam o gigante Ymir e do seu corpo formam os Nove Mundos de Yggdrasil, e outras culturas Indo-Européias também apresentam o mesmo tema mítico, que é na verdade universal, como os mitos de Tiamat e P'an Ku demonstram)
Os 9 Elementos são uma parte central da minha prática, e eu os associo a inúmeras coisas que não constam das listas atestadas historicamente: para mim cada Elemento faz par com um número, cor, ave, animal, Divindade, planeta, virtude moral, função psíquica, sistema orgãnico, dia, hora, mês, ano, direção, festival da Roda do Ano, etc, etc, e enquanto eu for honesto e separar o que é fato histórico e o que é GPN minha não há mal nesse processo de adaptação para o uso moderno -- para o qual, aliás, eu convido a todos aqui: vão, criem suas listas, aprendam a ver os mil laços invisíveis que nos ligam com tudo o que há!

Benditos os Elementos, que dão forma ao Mundo
Benditas as minhas partes, que a Eles correspondem
Benditos os vínculos pelos quais eu sou Um com o Mundo
E o Mundo vive em mim

domingo, 20 de novembro de 2011

Três Reinos

"Neamh nglas, muir más, talamh cé"
(Invocação de Blathmac mac Cú Brettan)

Um Celta da Irlanda, de pé numa praia no oeste da Ilha Esmeralda, diria isso ao ver o Céu acima de sua cabeça, sentir a Terra sob seus pés e perceber o Mar definindo o horizonte à sua volta:

"Céu azul, belo Mar, Terra presente",

os Três Reinos que compõem o mundo, e que formam o Triscell Mor ou Grande Triscele das três inseparáveis espirais.
E inseparáveis elas tem de ser, para que a Vida possa se manifestar nelas: uma planta precisa de solo (Terra), água (Mar) e ar (Céu) e não crescerá se qualquer deles lhe faltar; os lugares mais inóspitos à Vida são justamente aqueles onde os Três Reinos estão desequilibrados, como a estratosfera (Céu sem Mar ou Terra), deserto (Terra e Céu sem Mar), as fossas submarinas (Mar e Terra sem Céu) e outros.
E porque os Três sustentam toda a existência, um clássico juramento Celta era "que o Céu caia e me esmague, que o Mar se erga e me afogue, que a Terra se abra e me engula, se eu quebrar meu juramento"-- ir contra a Verdade abala os fundamentos da existência...
Hoje, Druidas modernos vem aplicando a estrutura dos Três Reinos a vários contextos em suas práticas pessoais.
John Michael Greer, da AODA, os correlaciona aos 3 Elementos de Iolo Morganwg, Nwyfre/Céu, Gwyar/Mar, Calas/Terra, e disso ele desenvolve uma interessantíssima proposta de pensamento triádico como contraposto à visâo binário-dualista da cultura moderna.
Alison Leigh Lilly, do blog Meadowsweet and Myrrh, usa as contrapartes internas dos 3, Fôlego/Céu, Sangue/Mar, Osso/Terra, e nessa invocação os limites entre o corpo e o meio circundante se dissolvem como as ilusôes que são.
Daven sugere em seu blog que os 3 se desenvolvem no tempo, não apenas no espaço: Passado/Mar, Futuro/Céu, e o concreto Presente como a Terra, mapeando o caminho do berço à tumba.
A ADF cria altares/santuários onde cada um dos 3 tem uma representação simbólica: Fogo/Céu, Poço/Mar, Árvore/Terra, definindo com sua presença aquele lugar particular como sendo o Centro dos Mundos enquanto o rito durar.
Eu mesmo fiz uma versão pessoal que fica a meio caminho entre a da ADF e a de Alison, uma rápida meditação centralizadora:

Porque meu sangue é quente, o Fogo Celeste arde nele
Porque meu sangue é líquido, as Águas Profundas fluem nele
Porque meu sangue é vivo, a Árvore do Mundo cresce nele

...Agora é a SUA vez: vão descobrir de que modo integrar os Três à sua vida!

sábado, 19 de novembro de 2011

Terra e Natureza

Outra definição do Druidismo: a ecologia-como-religião, a veneração do mundo natural (o famoso estereótipo dos druidas modernos como "hippies-abraçadores-de-árvores", mesmo distorcido, reflete bem a percepção popular dos Druidas como estando de algum modo vinculados ao mundo natural).
Mas o que é isso de "Natureza"? O que é essa dicotomia natural/artificial?
Definição de natural: tudo que existe na Natureza, não-manufaturado.
Definição de artificial: tudo feito pelo homem, material (ferramentas) ou virtual (linguagem).
Mais uma vez olhando com olhos de Druida, vemos aqui um pressuposto invisível, que infiltra a cultura ocidental e é a fonte da crise ecológica moderna: o homem está fora da Natureza.
E se olhássemos o ser humano como parte da Natureza, o que veríamos?
Abelhas fazem colméias, castores constroem diques, aranhas tecem teias: mesmo chimpanzés, nossos primos mais próximos, usam gravetos para pescar formigas ou folhas para beber água -- assim, o fato de criar ferramentas não nos desabona enquanto seres naturais, mas caracteriza nosso nicho ecológico, nossa função no ecossistema, e só é letal se estiver desconectado do meio ambiente ou for exercido de modo desordenado/desarmônico.
Construir cidades, por exemplo, não é danoso em si mesmo, mas é apenas a extensão e impacto ambiental das cidades hipertrofiadas que as caracteriza como destrutivas ao mundo natural -- e, mesmo assim, mesmo em São Paulo, uma das maiores cidades das Américas, não há como escapar da presença persistente da Natureza, seja em parques como Ibirapuera, Aclimação, Horto Florestal, Cantareira, Jardim Botânico, seja em praças maiores ou menores, seja em canteiros nas calçadas, ou em casos ainda menores:

Jack do you never sleep, does the green still run deep in your heart?
Or will these changing times, motorways, powerlines, keep us apart?
Well, I don´t think so
-- I saw some grass growing through the pavements today

(Jack-in-the-Green, do Jethro Tull)

E onde nós, Druidas, entramos nisso?
Se a Natureza persiste mesmo nas condições mais adversas, se na verdade Gaia não está doente e nem morrendo (e como poderia, se ela é maior, mais velha e complexa que toda a humanidade e já passou por eras glaciais e de aquecimento global sem cessar em seus bilhões de anos?), então não vamos fazer nada para evitar as mudanças climáticas e preservar o ambiente?
A questão é que Gaia pode se adaptar e superar esta crise, como superou outras, mas nada garante que nós, humanos, vamos conseguir o mesmo -- na última era glacial a humanidade foi dizimada pelo frio e fome a ponto de só restarem mais ou menos 20 mil indivíduos, e qualquer ecologista dirá que esse número descreve uma espécie à beira da extinção: daquela vez escapamos, mas quem garante que o milagre se repetirá agora?
Nós, humanos, somos parte inseparável da Natureza; defender a Natureza é defender a nós mesmos e às gerações futuras, defender a humanidade e conscientizá-la da importância de buscar um relacionamento harmônico com a Natureza é defendê-la também -- e se isso não é uma tarefa digna de Druidas, não sei mais o que seja!

Bendita a Natureza, onde temos todos nosso ser
Bendita a Humanidade, filha hábil da Natureza
Benditos os laços imperecíveis que nos unem
no grande Círculo da Vida

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Cosmologia

No princípio havia Eru (sim, estou falando de Tolkien, tenham paciência comigo).
Eru criou os Ainur e compôs três músicas, que eles executaram, e que tomaram forma visível, à qual Eru dotou de existência real e chamou Eä, o Mundo.
Bilhôes de anos depois disso, e décadas após Tolkien ter escrito o Ainulindalë, os físicos criaram a teoria das cordas -- e o que ela diz?
Resumindo, existem as cordas, entidades unidimensionais (só comprimento, sem largura) que habitam um universo de onze dimensões, e quando uma corda vibra, surge uma partícula subatômica; assim, todos os incontáveis átomos do Universo são o resultado da vibraçâo conjunta de todas as cordas...isso parece familiar, não?
Para completar, em algum ponto entre a música dos Ainur e a teoria das cordas, os Celtas do oeste da Irlanda chegaram ao conceito da Oran Mor, a Grande Cançâo, que criou e sustenta a existência -- e tâo forte é esse conceito que mesmo após serem cristianizados, mesmo até o meio do século XX, os camponeses usaram este nome para se referir ao Deus cristão...
A única diferença entre essas visões de mundo vem basicamente da personalidade dos seus criadores: onde a física materialista usa o termo seco e abstrato "vibraçâo", os Celtas apelaram para a expressâo viva e poética "cançâo", mas diferentemente de Tolkien eles viam todos os seres, dos Deuses aos grâos de areia, como participantes ativos do processo, sem distinguir entre Criador(es) e Criaçâo (um parênteses: C.S.Lewis, amigo de Tolkien e partilhando da mesma visâo cristo-pagã dele, descreve no capítulo final de Perelandra um diálogo-jogral entre dois seres celestiais onde eles falam da Grande Dança de um modo que os Celtas aprovariam, onde o pó e as estrelas participam em igualdade...).
E nós, Druidas modernos, onde ficamos nisso tudo?
Outra definição do Druidismo é a busca constante no processo de aprender a ouvir a Oran Mor, dela derivar sabedoria e força, e tentar fazer que nossa parte seja cada vez mais afinada, mais refinada, mais em harmonia com os outros que cantam conosco, neste e no Outro Mundo.

Bendita a Cançâo, que eu possa ouvi-la
Benditos todos os que dela participam comigo
Benditos todos os Druidas, que ensinam a ouvi-la

a todos que o queiram

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Porque Druidismo?

Para começar os 30 dias, eu diria que uma das definições do Druidismo é a crença no lado invisível das coisas e da Natureza; e, dizendo isso, aplicaria essa definição à pergunta que é o título deste post --o que está oculto nela? O que está implícito, e portanto não foi expressamente escrito, na frase?
Ni ansa, "não é difícil", como o Colóquio dos Dois Sábios repete: olhando com olhos de Druida, a frase é "porque (você escolheu seguir o) Druidismo?"
E a resposta é a seguinte: eu não escolhi, ou melhor, não se trata de escolher entre doutrinas e optar pela favorita.
Já li dúzias de livros e blogs cujos autores, em certo ponto, dizem a mesma coisa e quase com as mesmas palavras: eles não se "converteram" ao Druidismo, mas quando tomaram conhecimento dele, a reação que tiveram foi "ah, então isso em que eu sempre acreditei se chama assim?"
Quando eu era pequeno, morava com meus pais num prédio em frente de um convento de freiras em Santana, zona norte de São Paulo; as freiras fizeram um acordo com as mães do prédio onde nós, as crianças, podíamos brincar nos jardins do convento (cujas portas só se fechavam no toque do Angelus, às seis da tarde) desde que não danificássemos as plantas do jardim e nem os vitrais da capela.
Eu ficava horas sentado nos galhos das árvores, lendo quadrinhos ou observando as aves e insetos que moravam nela; recolhia as pedras redondas dos canteiros e desenhava espirais a lápis em todas, arranjando-as em círculos ou em linha reta entre duas ou mais árvores (para que? vocês perguntariam -- e eu responderia que elas ficavam bonitas desse modo...)
Mais tarde fui conhecer Asterix e o Rei Artur, as únicas referências Celtas em nossa cultura (ou pelo menos no fim dos anos 60 era assim) e uma sensação difusa de "sim, é isso!" sucedeu cada encontro.
Estudei Magia cerimonial (do tipo da Golden Dawn), li a Spiral Dance da Starhawk, estudei Runas, mas os mitos Celtas continuavam cruzando meu caminho, como se para chamar minha atenção; foi quando, pouco antes das Brumas de Avalon, eu encontrei o The Book of Druidry do Ross Nichols, fundador da OBOD -- e entendi o que era aquilo que eu sempre acreditei, a vida das árvores e as espirais nas pedras...
A Internet, no fim dos 90, deu acesso a dúzias de sites druídicos, que só fizeram confirmar o que eu a essa altura ja sabia ser a minha vocação espiritual: eu encontrei a Creideamh, a lista da ODB (Ordem Druídica do Brasil), fundada por Robert Kaucher, o Bob, onde tantos de nós tivemos nossa formação, e também me filiei à Ár nDraíocht Féin (ADF).
Porque Druidismo?
Porque o salmão segue o curso do rio quando jovem e depois, avançado em anos, vai contra a correnteza do mesmo rio?
Porque o girassol segue o curso solar, céu claro ou nublado?
Porque está em sua/nossa natureza o caminho que seguimos, e tão mais claro é ele quanto mais fiéis somos a ela.

Bênçãos sobre meu caminho, que meus pés não tropecem
Bênçãos sobre o caminho dos outros, que eles não se percam
Bênçãos sobre todos os caminhos, que se cruzem como linhas
No tear dos Deuses.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

30 Dias Druídicos

Para quebrar o hiato deste blog e recomeçar de modo mais consistente, estimulado pelo recém-ocorrido II Encontro Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta e inspirado pelo meme que Allison Leigh Lilly começou e Heather prosseguiu, declaro iniciados os 30 Dias Druídicos: um post a cada dia (se os Deuses me ajudarem) sobre um tema relevante, a partir da seguinte lista:

1- Porque Druidismo?
2- Cosmologia
3- Terra e Natureza
4- Três Reinos
5- Elementos
6- Espaços Sagrados
7- Prática Diária
8- Divindades e Crença
9- Ancestrais
10- Espíritos da Natureza
11- Ritual
12- Roda do Ano
13- Inspiração
14- Meditação
15- Histórias
16- Poesia
17- Ética
18- Ciência e Filosofia
19- Magia
20- Oração
21- Vida Consciente
22- Família/Amigos
23- Comunidade
24- Trabalho
25- Pisando Leve
26- Distrações
27- Um Dia Druídico
28- Caminho
29- Futuro
30- Conselhos

...começando amanhã...