segunda-feira, 28 de abril de 2025

Ategina, Semana 13: Relevância Atual


Depois desta exposição sobre Ategina e seu culto, a pergunta surgindo na mente dos leitores é essa: muito bem, mas qual é a relevância disso tudo nos dias de hoje, porque reviver um culto esquecido de uma época e cultura ainda mais obscuras, qual o propósito disso? Essa pergunta tem dois níveis, o geral e o específico, e vou responder separadamente a cada um deles.
No plano geral, a razão pela qual pessoas de todas as nações, classes, culturas estão revivendo os antigos cultos politeístas é multiforme -- as religiões oficiais, incluídas aí a ciência e as ideologias políticas, já não dão mais conta da necessidade humana universal por sentido, valor e propósito da existência (diga-se de passagem, não pela primeira vez na história), e todas as vezes em que isso aconteceu as pessoas olharam para o passado e lá redescobriram uma pureza de crença e vitalidade de devoção que foram potentes o bastante para preencher as almas desses buscadores insatisfeitos; outros fatores, como a identificação com a cultura dos ancestrais desses buscadores, ou nostalgia por épocas em que a vida era menos complicada e mais heróica, ou a influência da ficção/fantasia, tem o seu peso aqui, mas a motivação fundamental vem do fato de que nem só de pão vive o homem, há necessidades espirituais que devem ser satisfeitas sob pena da morte-em-vida que vem caracterizando, cada vez mais, a paisagem anímica do mundo moderno.
No plano específico, porque Ategina? Num mundo em que os Mistérios da morte e do renascimento, onipresentes na antiguidade pagã (Perséfone/Prosérpina/Inanna/Ishtar), foram esquecidos e precisam ser rememorados/recriados porque a alma necessita passar por esta Iniciação, pois "quem aprende a morrer antes de morrer, não morre após morrer" como diz o antigo provérbio, eis que Ategina oferece uma vivência mais pura do morrer e renascer, sem os traumas adicionais do rapto de Perséfone (porque sua descida ao Outro-Mundo é voluntária) ou da degradação e martírio de Inanna (porque ela recebe honrarias e o próprio trono de Rainha), e assim esse processo se torna mais acessível a quem dele precisa.
E vejam bem, ambas as respostas acima são meramente humanas, centradas nas necessidades e nas ações puramente humanas -- mas as Divindades, Ategina entre elas, são indivíduos dotados de razão, vontade e propósito, e a iniciativa do contato é no mínimo tanto delas quanto nossa; elas têm deixado bem claro, de vários modos, que estão interessadas em voltar a fazer parte de nossas vidas, mas agora em bases menos desiguais, pois o mesmo desenvolvimento cultural que num primeiro instante nos afastou delas também nos deu os meios para que agora possamos compreendê-las melhor e, de modo livre e consciente, renovar as antigas alianças para o bem de nosso mundo.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Ategina, Semana 12: Locais de Culto

Já vimos que as evidências arqueológicas do culto de Ategina se dividem entre várias localidades da Península Ibérica, em especial a portuguesa Elvas e as espanholas Mérida e Cárceres, e também aprendemos sobre sua associação onomástica com a enigmática Turobriga, que ninguém sabe ao certo onde ficava (o verbete da Wikipedia em espanhol a localiza na província de Aroche, mas isso não é unanimidade entre os acadêmicos especializados).
O artigo da pesquisadora Cristina Lopes na revista Arqueologia em Portugal sugere a possibilidade de que o centro/origem do culto de Ategina era em Turobriga, e de lá teria se irradiado para as localidades mais conhecidas; então ela passa a descrever as escavações em Alcuéscar, Cáceres, região de fronteira entre os povos Lusitano, Vetão, Celta, Túrdulo e Celtibérico, um vale de águas ferruginosas e medicinais que, curiosamente, é idêntico à descrição do lucus feroniae, o bosque sagrado de Mérida, e reforça a importância do rio Guadiana como parte da sua geografia sagrada.
Dada a carência de locais atestados e a impraticidade de se deslocar até algum deles (exceto, eventualmente, no caso de uma peregrinação se a possibilidade se apresentar), o que resta aos devotos modernos?
Fazer altares domésticos é a solução ideal (e provavelmente a mais correta historicamente, porque o culto à luz da lareira tinha prioridade sobre a devoção nos santuários públicos); no entanto, não posso encerrar a discussão desta semana sem falar na Vila Pagã, a inacreditável e audaciosa iniciativa de Rafael Nolêto ao criar uma comunidade pagã pública e aberta à visitação no Piauí, e que dentre seus múltiplos templos abriga um santuário exclusivo às Divindades iberolusitanas, em especial Ategina, Endovélico, Nábia e Trebaruna - um dia eu estarei lá, diante de Suas imagens, prestando culto à Dea Domina Sancta como deve ser...

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Ategina, Semana 11: Festivais, Dias Santos, Épocas

Já vimos que os Equinócios de Outono e Primavera marcam as transições de Ategina entre o Outro-Mundo e este, e assim estas são as datas atribuídas a Ela (juntamente com Endovélico) pela Bruxaria Tradicional Ibérica- sempre é bom reforçar que não há evidências históricas pré-cristâs ou mesmo pré-romanas que indiquem datas tradicionais de culto das Divindades da Lusitânia e Ibéria (com a única e notável exceção de Nábia, celebrada em 9 de Abril conforme o calendário romano).
Assim sendo, qualquer outra afirmação a respeito disto é fruto de inspiração moderna/GPN, como a minha: eu cultuo 9 Divindades num ciclo de "novena", e amanhã, 15/4, é o dia de Ategina (que se repetirá em 24/4, 9 dias depois, e assim por diante), e também atribuo cada festividade da Roda do Ano neopagã a um dos Numes (Endovélico de fora da Roda, com uma festa secreta), e nesse esquema Ategina tem o Lughnasad como o seu dia de festa particular, em seu aspecto de Senhora da Colheita. 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ategina, Semana 10: Oferendas

Nesta semana eu vou me autoplagiar e repetir o meu texto de 2014 referente à questão das oferendas, porque a natureza & propósito das mesmas segue imutável.
Começando pela questão mais imediata: porque fazemos oferendas de comidas e outros itens materiais aos Deuses, isso não é primitivo demais? Essa pergunta é bastante comum, não só fora das fés pagãs como no seio delas, e para responder a isso seria bom olharmos a sequência das versões da Liturgia da ADF -- no início a ênfase era em oferendas imateriais, geralmente música, canto ou poesia, sendo a resposta emocional dos participantes do rito às performances dos ofertantes parte essencial da oferenda, mas com o tempo a prioridade passou às oferendas materiais, e a declaração de membros da ADF a respeito mencionava várias razões para essa escolha: um afastamento deliberado da "imaterialidade" associada à espiritualidade judaico-cristã, antecedentes históricos e arqueológicos de oferendas em rios e lagos, e uma declaração enfática do valor intrínseco e sacralidade do mundo material e tudo o que ele contém. Claro, não é a substância material em si que Deuses, Ancestrais e Espíritos da Natureza levam da oferenda, mas a sua contraparte anímico-energética, juntamente com a devoção associada ao ato físico da oferenda.
A outra pergunta que surge desta é a seguinte: os Deuses necessitam receber oferendas, há uma carência neles que a oferenda preenche? Se assim fosse, eles teriam todos perecido quando seus cultos foram terminados pelo monoteísmo predatório, o que não foi em absoluto o que ocorreu, como qualquer politeísta moderno pode confirmar -- a função da oferenda é exatamente a mesma de uma ou mais pizzas numa mesa cheia de amigos: uma troca de energia e presentes, um reforço dos laços de amizade, um pretexto para os participantes desses laços sentarem juntos em alegria. Nós não a vemos como um dízimo a ser pago, ou pior, como um jeito de comprar o favor divino e forçá-lo a acontecer em troca do que foi ofertado, como tantas igrejas modernas blasfemamente afirmam a seus rebanhos.
Então, as oferendas de pão, bolo, vinho, maçãs, rosas e (de vez em quando) romãs e queijo de cabra que faço a Ategina NÃO são superstição, sustento ou suborno, e se eu não as fizer Ela não será minimamente afetada -- o afetado serei eu, que estarei deixando de lado o procedimento testado e aprovado há milênios para estabelecer e reforçar os vínculos com a Divindade, e que recomendo expressamente a toda a gente.