segunda-feira, 21 de abril de 2025

Ategina, Semana 12: Locais de Culto

Já vimos que as evidências arqueológicas do culto de Ategina se dividem entre várias localidades da Península Ibérica, em especial a portuguesa Elvas e as espanholas Mérida e Cárceres, e também aprendemos sobre sua associação onomástica com a enigmática Turobriga, que ninguém sabe ao certo onde ficava (o verbete da Wikipedia em espanhol a localiza na província de Aroche, mas isso não é unanimidade entre os acadêmicos especializados).
O artigo da pesquisadora Cristina Lopes na revista Arqueologia em Portugal sugere a possibilidade de que o centro/origem do culto de Ategina era em Turobriga, e de lá teria se irradiado para as localidades mais conhecidas; então ela passa a descrever as escavações em Alcuéscar, Cáceres, região de fronteira entre os povos Lusitano, Vetão, Celta, Túrdulo e Celtibérico, um vale de águas ferruginosas e medicinais que, curiosamente, é idêntico à descrição do lucus feroniae, o bosque sagrado de Mérida, e reforça a importância do rio Guadiana como parte da sua geografia sagrada.
Dada a carência de locais atestados e a impraticidade de se deslocar até algum deles (exceto, eventualmente, no caso de uma peregrinação se a possibilidade se apresentar), o que resta aos devotos modernos?
Fazer altares domésticos é a solução ideal ( e provavelmente a mais correta historicamente, porque o culto à luz da lareira tinha prioridade sobre a devoção nos santuários públicos); no entanto, não posso encerrar a discussão desta semana sem falar na Vila Pagã, a inacreditável e audaciosa iniciativa de Rafael Nolêto ao criar uma comunidade pagã pública e aberta à visitação no Piauí, e que dentre seus múltiplos templos abriga um santuário exclusivo às Divindades iberolusitanas, em especial Ategina, Endovélico, Nábia e Trebaruna - um dia eu estarei lá, diante de Suas imagens, prestando culto à Dea Domina Sancta como deve ser...

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Ategina, Semana 11: Festivais, Dias Santos, Épocas

Já vimos que os Equinócios de Outono e Primavera marcam as transições de Ategina entre o Outro-Mundo e este, e assim estas são as datas atribuídas a Ela (juntamente com Endovélico) pela Bruxaria Tradicional Ibérica- sempre é bom reforçar que não há evidências históricas pré-cristâs ou mesmo pré-romanas que indiquem datas tradicionais de culto das Divindades da Lusitânia e Ibéria (com a única e notável exceção de Nábia, celebrada em 9 de Abril conforme o calendário romano).
Assim sendo, qualquer outra afirmação a respeito disto é fruto de inspiração moderna/GPN, como a minha: eu cultuo 9 Divindades num ciclo de "novena", e amanhã, 15/4, é o dia de Ategina (que se repetirá em 24/4, 9 dias depois, e assim por diante), e também atribuo cada festividade da Roda do Ano neopagã a um dos Numes (Endovélico de fora da Roda, com uma festa secreta), e nesse esquema Ategina tem o Lughnasad como o seu dia de festa particular, em seu aspecto de Senhora da Colheita. 

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ategina, Semana 10: Oferendas

Nesta semana eu vou me autoplagiar e repetir o meu texto de 2014 referente à questão das oferendas, porque a natureza & propósito das mesmas segue imutável.
Começando pela questão mais imediata: porque fazemos oferendas de comidas e outros itens materiais aos Deuses, isso não é primitivo demais? Essa pergunta é bastante comum, não só fora das fés pagãs como no seio delas, e para responder a isso seria bom olharmos a sequência das versões da Liturgia da ADF -- no início a ênfase era em oferendas imateriais, geralmente música, canto ou poesia, sendo a resposta emocional dos participantes do rito às performances dos ofertantes parte essencial da oferenda, mas com o tempo a prioridade passou às oferendas materiais, e a declaração de membros da ADF a respeito mencionava várias razões para essa escolha: um afastamento deliberado da "imaterialidade" associada à espiritualidade judaico-cristã, antecedentes históricos e arqueológicos de oferendas em rios e lagos, e uma declaração enfática do valor intrínseco e sacralidade do mundo material e tudo o que ele contém. Claro, não é a substância material em si que Deuses, Ancestrais e Espíritos da Natureza levam da oferenda, mas a sua contraparte anímico-energética, juntamente com a devoção associada ao ato físico da oferenda.
A outra pergunta que surge desta é a seguinte: os Deuses necessitam receber oferendas, há uma carência neles que a oferenda preenche? Se assim fosse, eles teriam todos perecido quando seus cultos foram terminados pelo monoteísmo predatório, o que não foi em absoluto o que ocorreu, como qualquer politeísta moderno pode confirmar -- a função da oferenda é exatamente a mesma de uma ou mais pizzas numa mesa cheia de amigos: uma troca de energia e presentes, um reforço dos laços de amizade, um pretexto para os participantes desses laços sentarem juntos em alegria. Nós não a vemos como um dízimo a ser pago, ou pior, como um jeito de comprar o favor divino e forçá-lo a acontecer em troca do que foi ofertado, como tantas igrejas modernas blasfemamente afirmam a seus rebanhos.
Então, as oferendas de pão, bolo, vinho, maçãs, rosas e (de vez em quando) romãs e queijo de cabra que faço a Ategina NÃO são superstição, sustento ou suborno, e se eu não as fizer Ela não será minimamente afetada -- o afetado serei eu, que estarei deixando de lado o procedimento testado e aprovado há milênios para estabelecer e reforçar os vínculos com a Divindade, e que recomendo expressamente a toda a gente.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Ategina, Semana 9: Concepções Errôneas

O fato de Ategina, como tantas outras Divindades da Ibéria/Lusitânia, ter tão pouca representação arqueológica/histórica implica que muito do conhecimento relativo ao seu culto e à sua natureza permanecem desconhecidos (e não sabemos se essa situação será permanente); nesse contexto do não-saber, os achismos pululam para preencher a ausência dos achados.
Vimos algumas ideias muito estranhas sobre Endovélico há 10 anos, e o fato é que muitas delas só vieram a ser porque ele, em sua abundância desproporcional de inscrições e relatos dos tempos da ocupação romana, ocupou a atenção de muita gente (com muito tempo livre) até o início da Idade Média.
No caso presente já dissemos, e repetimos, que não há evidências de que Ategina seja uma Divindade lunar, e que certamente ela NÃO é a "deusa-mãe" do (inexistente) Panteão iberolusocéltico, e que não é 100% definido que a sua identificação com Prosérpina se fundamente em mais que uma ou duas características, então não temos como saber se essas concepções são erradas ou não, é tudo um imenso "pode ser" que nos faz arrancar os cabelos de frustração impotente. 
E é isso, pessoal.

segunda-feira, 24 de março de 2025

Ategina, Semana 8: Aspectos e Variações

Onde Endovélico tem uma natureza tripla, Ategina é dual.
O mito "emprestado" que associamos a Ela a mostra transitando entre este mundo e o Outro-Mundo, mas a sua passagem é direta e não parece apresentar a liminaridade Dele.
Na metade luminosa do ano, após o Equinócio da Primavera, Ela vem como a Senhora da Vida, a que traz consigo o despertar do longo sono do Inverno, coroada de flores e carregada de frutos; tudo o que Ela toca revive e rebrota, física e espiritualmente
...mas na metade escura do ano, o Equinócio de Outono marca a Sua jornada ao Outro-Mundo para a entronização como Rainha dos Mortos que se segue, portando a coroa de ossos e o manto negro; o mundo dos vivos chora a sua ausência e progressivamente se recolhe para o sono invernal, a introspecção e a meditação sobre o ano que se aproxima do fim ocupam os que aguardam o Javali que trará a Senhora e seu Consorte de volta do Mundo Profundo.
Flores e Ossos, eis a dupla natureza daquela que Renasce.

segunda-feira, 17 de março de 2025

Ategina, Semana 7: Nomes e Epítetos

No projeto das 30 Semanas, está é a que mais se fundamenta em dados documentados a partir da arqueologia, os "achados" se contrapondo aos "achismos".
Ategina (ou Ataecina, ou Atægina) tem 36 inscrições conhecidas até agora (lembrando que Endovélico tem o recorde absoluto de 72), das quais 15 são de Santa Lucia del Trampal, em Cáceres, na Espanha, onde aparentemente seu culto era associado ao sal, assim como no Monte de São Lourenço em Braga; outros locais arqueológicos são Elvas e Beja em Portugal,  Mérida e Mértola na Espanha, e a região do Rio Guadiana, e datam do início da colonização romana até meados do século III dC (estas últimas em Alcuéscar, na Espanha), incluindo-se as invocações Dela para encontrar objetos roubados e salvar doentes graves que foram achadas em Vila Viçosa.
As grafias diferentes de seu nome provavelmente são devidas à ausência de uma grafia romana padronizada para as Divindades nativas (mas, como já vimos no caso de Endovélico/Andevélico/Enobolico, poderiam ser aspectos cultuais chamados por nomes diferentes).
Ela é chamada de Dea ("Deusa"), Domina ("senhora"), Santa ("santa"), mas esses títulos são genéricos e partilhados com outras Divindades; o que parece ser o epíteto mais exclusivo Dela é o ATAEGINA TURIBRIGENSIS PROSERPINA, ilustrado acima, que apresenta no meio do sincretismo típico da interpretatio romana o atributo local "de Turóbriga" que, como já vimos, se refere a uma cidade que, embora amplamente descrita em outras fontes, ainda não teve sua real localização encontrada.
Mas, para encerrar com um "achismo" meu, me parece adequado partilhar com Ela a expressão do poder de Endovélico enquanto Divindades ctônicas que são: EX IMPERATO AVERNO, "pela determinação emanada das profundezas".

segunda-feira, 10 de março de 2025

Ategina, Semana 6: Panteão



Volto a dizer o que postei antes, não existe um "panteão" propriamente dito na Ibéria (as poucas associações de Divindades historicamente atestadas são a tríade Bande-Nabia-Reve e a dupla de irmãos Arentio-Arentia, e é só), assim deixo claro que o coletivo de Divindades do meu culto pessoal nunca foi cultuado originariamente do modo que faço, desde que todos vêm de lugares e povos diferentes.
Tendo mencionado Endovélico na semana passada, agora vou falar de outros Deuses e Deusas "revelados" a mim pelo livro "A Voz dos Deuses", começando por Tongoenabiago, o deus da Fonte do Ídolo em Braga (o que sugere que ele era cultuado por meus ancestrais diretos, já que meu avô paterno veio de lá), cujo nome vem de uma raiz céltica significando "juramento", que sugere que havia o costume de se jurar pelas águas da fonte, com Tongoenabiago como testemunha do juramento; eu intuo como seus atributos o cão, a cor branca, o grou e o amieiro, e como objeto ritual o cálice.
Coaranioniceus é outro, desta vez na região do Monte Santo de Olisipo, hoje o Parque de Monsanto em Lisboa: alguns o associam ao chamado "Ares Lusitano", deus guerreiro a quem se sacrificavam cavalos, bodes e prisioneiros de guerra, e também como regente das minas de ouro e metais da região, e assim eu o vejo como senhor da abundância e da guerra, com o cavalo e o vento (uma lenda registrada pelos cronistas romanos fala da manada de cavalos sagrados, nascidos de éguas fecundadas pelo vento, que ali viviam) como seus atributos.
Runesocesios ("do mistério da lança"), cultuado em Évora, a mim sugere um guerreiro mais feroz que Coaranioniceus, com sua lança sendo o raio dos céus, e regendo o carvalho, o touro e a espada.
Bandua, padroeiro dos bandos de guerreiros unidos por votos sagrados, é às vezes chamado "o que ata" e uma imagem recém-encontrada, supostamente dele, o mostra com uma corda atada à volta do peito como símbolo desse vínculo; gamo, teixo e corvo são para mim consagrados a ele, que é um dos raros cultuados em diversas localidades, com títulos anexos ao nome como Banderaiecos, Bandioilenaico, Bandueaetobrigos, etc, etc...
Trebaruna, "mistério da casa", é a guardiã do lar (e ligada ao fogo da lareira) e a protetora dos heróis, tocha numa mão, lança na outra, carneiro, pássaro-preto e sorveira como atributos -- Leite de Vasconcelos escreveu muito sobre ela, tanto textos acadêmicos como poemas, e ela foi divulgada ao mundo quando o grupo Moonspell compôs uma música em homenagem a ela, o que a torna uma das Divindades mais conhecidas fora de Portugal.
As duas Deusas que se seguem não são mencionadas por nome no livro de João Aguiar, mas se impuseram a mim de modo difícil de recusar...
A Deusa da Serra da Lua, em Sintra, se manifestou a mim vestida de negro e velada, com a lebre, coruja e salgueiro como seus atributos; o nome que me veio foi Cintia, o antigo nome de Sintra, mas ela avisou que tinha outro nome que mais tarde eu descobriria, e agora a conheço como Iccona.
A Deusa da Serra da Estrela, ou os Montes Hermínios, se apresentou como Hermínia (mas disse que não era "exatamente" assim o seu nome, que anos depois li num artigo sobre os Celtas da Ibéria como Erbina), associada por mim ao urso, falcão e bétula.
Além dos Nove, eu cultuo ao trio Bande-Nabia- Reve como os guardiões do Centro Triplo da liturgia da ADF (Fogo, Poço, Árvore/Monte) e às Matres como a base subjacente da Criação.
E assim meu culto pessoal é mantido.