Meu irmãozinho Alexandre me indicou, agora eu passo a indicação adiante.
Um filme de 1972 (contemporâneo do Wicker Man),
originalmente um episódio de uma série de teleteatro da BBC, imediatamente
tornado cult e misteriosamente desaparecendo de vista por décadas até cópias
restauradas surgirem para lembrar as novas gerações desta obra-prima.
Imagine que você é um adolescente de 17 anos no interior da
Inglaterra dos anos 50, filho de um ministro presbiteriano, organista na igreja
do pai, aluno de escola militar, plenamente convencido do destino manifesto da
Pátria em liderar a civilização ocidental, sob as bênçãos de Deus e alicerçada
na Família – resumindo, um jovem conservador em flor, do tipo que a história
recente do Brasil nos trouxe às mancheias e infesta as redes sociais.
Mas eventos variados farão deste último verão antes da idade
adulta um período de descobertas, questionamentos e crises morais digno de
qualquer caminho iniciático; o que eu chamo de a “pergunta-chave” deste filme é
“qual é o meu lugar?”, porque Stephen não tem amigos ou namorada, mal interage
com os colegas da escola, fixado num passado inglês idílico representado pela
sua adoração pela música de Elgar – e é nesse contexto de estar “fora de lugar”
que ele começa a fazer contato com outra ordem de existência, desde sonhos com
anjos, visitações de demônios, um encontro com o fantasma de Elgar (que lhe
revela o segredo por detrás de sua obra críptica “Enigma”), e nesse tempo todas
as suas certezas sobre raça, sexualidade, patriotismo e religião são
drasticamente arrancadas dele, que no final rejeita o Sistema que antes era a
própria definição da sua existência, personificado na Mãe e no Pai da
Inglaterra, que tentam trazê-lo de volta a seu jugo com louvores à sua
integridade e pureza, o futuro da Nação, ao que ele responde “eu não sou nada puro,
eu sou misturado (...) Trevas mescladas com Luz, eu sou barro e chama!”
...e é então que Penda, o último rei pagão da Inglaterra,
intervém e o liberta da sedução/ameaça do casal arquetípico inglês, dizendo que
ele, e os outros guardiões da terra, pouco a pouco estão sendo empurrados para
fora da existência, e que é em pessoas como Stephen, capazes de acolher e
integrar sua “impureza”, que está a esperança de uma Inglaterra, e mesmo do
mundo, renovados:
“Sê secreto, Filho, sê estranho, sombrio, verdadeiro,
impuro, e dissonante. Cuida de nossa chama”
Na sua crítica à industrialização, ao domínio das máquinas,
ao sacrifício das massas por seus governantes, aos ataques ao meio ambiente,
esse filme de meio século atrás é curiosamente atual (nem vou falar na sua
visão subversiva de que a esperança final está na volta às raízes pagãs da
civilização, porque sou suspeito)
E nem vou falar da paisagem, da trilha sonora, das imagens
oníricas e do clima surreal que permeia o filme, porque isso tem que ser
experimentado e não descrito.
ASSISTAM! (aqui)