quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Histórias

Todo seguidor do caminho druídico conheceu uma ou duas histórias que capturaram sua imaginação e apontaram que aquele era o caminho a seguir -- sejam os quadrinhos de Asterix e as poçôes do druida Panoramix, sejam os contos Arturianos e a presença misteriosa de Merlin, sejam as obras de Tolkien e o poder oculto de Gandalf, por via do Mito que essas histórias tornam manifesto, verdades que ocupariam dúzias de páginas num tratado acadêmico são reveladas em poucas imagens que vão ao mais fundo da alma sem que esta se aperceba.
Sabemos pelos cronistas clássicos que os Druidas originais em geral, e a ala dos Bardos em particular, memorizavam centenas de histórias onde verso e prosa se alternavam, histórias de heróis que serviam para perpetuar seus nomes à posteridade, histórias de grandes batalhas, paixões e tragédias, histórias que explicavam como certas localidades ganharam seus nomes, histórias morais com exemplos de reis virtuosos e seus ensinamentos, e muitas mais.
E todas, pela tradição druídica, não-escritas, mas apenas memorizadas:

"O que é o Santuário que Preserva? É a memória, e o que ela guarda"

Um Bardo bem treinado nunca contava a mesma história duas vezes do mesmo jeito -- as partes em verso eram recitadas exatamente como haviam sido aprendidas por ele, sem mudanças, mas as partes em prosa podiam variar, ser abreviadas ou prolongadas, detalhadas ou resumidas, enfatizadas aqui ou ali, de acordo com o clima da platéia, a história da tribo que o ouvia, ou a Inspiração do momento.
Uma história assim narrada, sempre a mesma mas sempre mudando, era um ser vivo em si mesma, em renovação perpétua, e era isso que os Druidas queriam com a proibição da escrita: que, ao se abrigar no coração vivo do Bardo, a vida interior das histórias despertasse e respirasse em ciclos vitais de mudança; foi só após a cristianização que a proibição foi suspensa e as histórias foram, pela primeira vez em séculos de existência, postas no papel (pelas mãos de Druidas e Bardos entrados no seio da Igreja nascente, sabendo que o caminho oral estava fadado a terminar e desejosos de preservar as histórias, mesmo que na forma fossilizada do texto escrito), e é graças a isso que nós, herdeiros modernos deles, pudemos receber nossa herança (ainda que só em parte: estima-se que, de todos os manuscritos em mosteiros e bibliotecas da Irlanda, pouco menos de 25% foram traduzidos do Irlandês Antigo para alguma língua moderna!)
Agora só nos resta o laborioso processo de reviver as histórias a partir dos fósseis ressequidos no papel -- recitar, repetir e recordar, acalentá-las no calor de nosso coração, regá-las com lágrimas de alegria e tristeza, e soprar nelas o fôlego da Vida para que renasçam em nós, e nos contem seus segredos ocultos, e que em tempo as passemos a outros que lhes dêem abrigo em suas almas.

Benditas as Histórias e quem as conta
Bendita a Vida que respira nas Histórias
Benditos os que ouvem as Histórias
e as preservam em suas vidas

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