segunda-feira, 17 de março de 2014

O Santo e as Serpentes


Talvez seja adequado que hoje, no dia da festa de São Patrício da Irlanda, eu vá mexer num ninho de cobras... ;-)
Poucas coisas são tão polêmicas no meio Pagão em geral e Celto-Druídico em particular quanto a questão, aparentemente inocente, de se é “certo” (leia-se politicamente correto) comemorar o St.Patrick bebendo num pub irlandês – para muitos é apenas um pretexto para tomar uma Guinness e se divertir, para outros é uma homenagem indevida a um suposto genocida cultural, responsável pela extinção do Druidismo na Irlanda, a versão-vestindo-verde de Hitler, o Mal encarnado (essas são as coisas mais “delicadas” que li sobre ele na última semana, as outras eram escatologicamente impublicáveis)
Mas a missão secreta deste blog é fazer as pessoas enxergarem tudo e todos com olhos-de-Druida, ver o lado não-aparente das coisas, e é neste espírito que vamos olhar o pobre Pádraig mais de perto.
A essa altura, todo mundo já sabe que Patrício não expulsou cobra nenhuma da Irlanda, desde que a última delas morreu na Era Glacial passada e ninguém pensou em repovoar a ilha, e todo mundo sabe (ou pensa saber) que as “cobras” eram os Druidas, para quem elas seriam os símbolos vivos da Sabedoria sempre-mutável e renascente – mas e se eu lhes dissesse que o tema do santo-exterminador-de-serpentes não é exclusivo do pobre Paddy, que dúzias de santos católicos no Continente gozavam da mesmíssima reputação, mesmo em regiões não-Célticas, e que esse tema foi pego de propósito para criar a história de São Patrício, porque é bem possível que ele NUNCA tenha existido – o que vocês diriam?
Cronistas supostamente contemporâneos de Patrício curiosamente omitem seu nome das listas de missionários enviados à Irlanda, enfatizando antes um certo Paládio, que teria sido o primeiro missionário enviado diretamente por Roma à Irlanda (e não para converter os Pagãos, mas sim para zelar pelos Cristãos já convertidos); as biografias de Patrício datam do século VII, mais de duzentos anos após sua morte, e os historiadores tendem a encará-las como o que eles chamam de “lendas piedosas”, artigos de fé mas não de ciência.
Mas então, diriam vocês, vamos continuar discutindo por causa de uma ficção histórica, o santo-que-era-sem-nunca-ter-sido? (por sinal, não há registro de sua canonização como tendo sido oficializada por algum papa)
Mas é aí que entra em ação o olhar druídico...
Se era tão importante para o projeto de poder da Igreja de Roma que houvesse um santo evangelizador para a Irlanda e as Ilhas Britânicas, porque então não se enfatizou mais o papel de Paládio e seus contemporâneos, porque se achou necessário criar um santo costurado com retalhos de histórias diversas?
A não ser que esse “Patrício” tivesse realmente existido, e fosse o líder carismático que a lenda diz, mas que de algum modo ameaçasse a Igreja, e que ela não pudesse simplesmente apagar dos registros porque era famoso demais e o povo não deixaria isso passar batido, e só lhe restasse encobrir o Patrício real sob o manto costurado às pressas do Patrício da lenda – e qual a razão disso? Qual era a ameaça que a Igreja tanto temia?
Um santo que não achava que entrar em duelos mágicos com Druidas das cortes dos reis irlandeses fosse algo abaixo de sua dignidade, que aceitava os presentes das mulheres de famílias nobres para construir novas comunidades (que eram cabanas circulares arranjadas em círculo à volta da capela, onde o abade era um cargo vitalício e hereditário, onde a Páscoa era calculada diretamente pela Lua Cheia do equinócio vernal), que criou a hoje famosa Lorica de São Patrício (que é estimada mesmo pelos Pagãos, porque é exatamente essa a sua natureza e simbologia), que usou o trevo para explicar a Trindade cristã a partir daquelas Trindades mais antigas, que usava a cruz patée ou a saltire, ambas solares (de braços iguais) e não a cruz do Calvário, e que foi um dos primeiros a propagar a doutrina do Purgatório como uma terceira opção entre a díade cristã de Céu e Inferno...seria possível que esse Patrício fosse mais Druida que Cristão, ou que simpatizasse o suficiente com a fé antiga para criar uma síntese dela com a Cristandade?


Descobrir essas coisas sobre Pádraig me faz gostar um pouco mais dele, e espero que meus correligionários druídicos também possam sentir o mesmo – mas acho que ainda vai demorar um pouco antes que possamos devolver as serpentes a ele...