segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Roda do Ano

O Neopaganismo (se é possível falar de todas as suas vertentes como se fossem a mesma coisa) data o conceito da Roda do Ano de sua fundação, concebida por Gerald Gardner (o pai da Wicca) e seu amigo Ross Nichols (fundador da OBOD), onde o ciclo das estações se fundiu com as 4 Festas Célticas num todo coerente que, pelas evidências de que dispomos, nunca existiu antes do trabalho deles.
Num contexto Europeu de clima temperado com quatro estações bem definidas, a Roda gira a contento -- mas quando ela é trazida para outros países ou mesmo hemisférios, a coisa muda: como celebrar Imbolc em fevereiro no Brasil e dizer no rito "agora o Inverno começa a perder força" no calor bestial do auge do Verão? Como trazer o simbolismo da morte e dissolução do Samhain em Novembro, em pleno renascer da força vital, só porque o dia de Finados abre o mês? Que sentido há em chamar o Lughnasad de "festa da colheita" quando no Brasil em todo mês há a colheita de alguma verdura/fruta, sem cessar o ciclo? E a região Amazônica, que só conhece duas estações, a seca e a chuvosa, onde coloca os Festivais?
Há quem insista em seguir a Roda do Norte aqui por questão de tradição, e que não veja sentido em celebrar o Samhain em maio se Finados permanece em novembro; há quem inverta tudo e crie a Roda do Sul, mas que precise brigar com a incongruência de festejar o calor e a vitalidade do Beltane quando família e amigos estão mais no clima de Finados; há quem faça a Roda Mista, com as estações pelo Sul e as festas Celtas pelo Norte; e há quem deixe a Roda de lado para seguir outros calendários rituais, ou adapte as datas fixas da Roda de acordo com a sua bioregiâo -- o Lughnasad na caatinga, na Amazônia, no cerrado e no litoral vai necessariamente ser celebrado de modo diferente e em datas diferentes, e isso é bom.
Meu grupo, o Ramo de Prata, celebrava as estações de acordo com o clima, mas na hora das festas Celtas tivemos a Inspiração de comemorá-las como pólos complementares: Imbolc e Lughnasad são ambos festivais de Divindades das Artes (Brighid e Lugh) que dominam a Água (o poço de Brighid, a chuva de Lugh) e o Fogo (a chama de Brighid, o raio de Lugh), e do mesmo modo Beltane e Samhain são festivais nos quais a passagem entre este mundo e o Outro-Mundo se abre, onde o Dagda, que guarda a Vida, se une à Morrighán, que rege a Morte, e as almas dos falecidos e nascituros cruzam os caminhos entre os mundos sob a proteção de ambas as Divindades -- parece estranho ler isso escrito assim, mas garanto que quem esteve presente numa de nossas cerimônias e sentiu a polaridade unindo extremos da Roda não esquecerá tão cedo...
Quanto a mim, eu observo as estações desde antes de saber que o meu caminho se chamava Druidismo: beber o suco das amoras e cheirar o perfume do manacazinho da Primavera, comer as pitangas e colher as flores do flamboyant no Verão, coletar os cachos de uva-japonesa e as folhas caídas do plátano do Outono, ver as flores da azaléia enquanto ceifo a erva-de-passarinho no Inverno eram todas ações que faziam parte da minha vida desde sempre, e que depois foram conscientemente ritualizadas para serem seguidas até hoje.
Como em tantas coisas da prática druídica, não há uma solução que sirva a todo mundo, mas sim inúmeras oportunidades de prestar atenção no mundo à nossa volta e notar o que realmente está ocorrendo, em vez de seguir um calendário abstrato e arbitrário, e interagir criativamente em diálogo com esse mundo em mutação.

Bendito o Ano que gira na Roda
Benditos os ciclos de Vida e Morte
Benditos os que vêem em cada giro
a obra dos Deuses

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