terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Oração

Quem já conversou com Cristãos do tipo evangélico sabe que eles fazem uma distinção clara entre rezar, ou repetir preces já escritas, e orar, ou falar espontaneamente a Deus, e que eles favorecem a última em detrimento da primeira porque esta é "pagã e idólatra" (como se isso fosse defeito...); no entanto, a preferência deles por orações em voz alta, ao invés da oração mental e silenciosa, acaba justamente revivendo o que era a prática universal das religiôes pagãs antigas -- sempre se rezava aos Deuses em voz alta, com os gestos e posturas rituais corretos, e sempre se pedia "que minhas preces cheguem até Ti/Vós", ou seja, havia o risco de que elas não chegassem...
E qual é o motivo disso? Simplesmente esse: antes da Cristandade, os Deuses eram considerados como sendo mais poderosos e sábios que os mortais, mas esse poder e essa sabedoria eram obrigatoriamente finitos e também limitados pelos dons dos outros Deuses, assim não existia o pressuposto de que uma Divindade pudesse sempre ouvir as orações humanas, até mesmo as pensadas, porque os Deuses não eram nem onipotentes nem oniscientes -- foi só com a ascensão do Deus Único ao poder, e com esse poder visto como sendo absoluto e ilimitado, é que surgiu o costume da oração silenciosa, que dominou o Ocidente até há bem pouco tempo atrás.
No Reconstrucionismo Celta temos a postura de que uma certa formalidade na oração cai bem, talvez até mesmo usar uma língua Celta -- não que Eles precisem disso, mas é algo que lhes agrada; se você não puder fazer isso, orações em português são bem-vindas!
Embora saibamos que os Deuses não são oniscientes, um devoto de uma Divindade particular está "ligado" a ela o suficiente para que uma oração mental seja audível e a agrade (há um consenso entre os Reconstrucionistas de que, após dois mil anos de esquecimento, as Divindades estão ansiosas para reatar os vínculos com os seus fiéis e não medem esforços para atrair a nossa atenção...), assim, aqueles que se sentem embaraçados em rezar em voz alta em público podem fazê-lo em silêncio, como no caso da Altú Págánach, uma oração de graças para ser dita às refeições que Robert Kaucher, criador da ODB, popularizou entre os seus membros (muitos de nós, talvez todos, a rezamos todos os dias até hoje).
Comece devagar, uma prece por dia -- ao acordar, pedindo forças para o novo dia, às refeições para abençoá-las, ao se deitar agradecendo pelo que o dia trouxe, escolha o que parecer melhor; para aqueles que não têm uma Divindade padroeira (e são muitos, talvez a maioria) é perfeitamente aceitável uma oração como "Eu oro Àquele(a) que ainda não conheço: que Ele(a) me seja revelado!"; para os que já conhecem seus padroeiros, o vínculo vai sendo tecido de oração, oferendas, estudo e dedicação, um relacionamento de reciprocidade e hospitalidade mútua que abençoa tudo à sua volta...

Benditos os Deuses e os homens
Benditos os laços tecidos entre ambos
Benditas as preces, que dão forma e som
ao vínculo da Devoção entre eles

Nenhum comentário: