terça-feira, 1 de outubro de 2019

Midsommar


Eu escrevi no Facebook que Midsommar se resume a duas palavras: Terror, Sagrado.
É isso, sim, e ainda mais.
Midsommar é o filho espiritual do Homem de Palha e da Bruxa, que viajaram à Suécia para ter o bebê.
Só com descrever o filme – um grupo de universitários americanos vai passar o verão na aldeia sueca, onde os costumes antigos são preservados, e que está comemorando um festival que ocorre a cada 90 anos – os desavisados já pensam que vai haver um massacre, muitos sustos e gritos, e no fim todos morrem; obviamente, desavisados que são, adivinharam errado. Este não é um scare movie, não há monstros que pulam detrás das árvores com facas e machados, não há nada para os fãs de terror barato aqui.

(mas, para prosseguir, aviso que há SPOILERS adiante, NÃO leiam se ainda não viram o filme!)

Começo dizendo que me ocorreu que é possível descrever os impulsos por trás da história de um filme como sendo perguntas.
No caso do The Wicker Man, a pergunta é “como arranjaremos um forasteiro que venha aqui voluntariamente para participar de nossa cerimônia?” e aí descobrimos, no final, que o sargento Howie era, desde o princípio, a vítima escolhida pelo Lord Summerisle para o sacrifício ritual pelo bem da colheita, insidiosamente manipulado desde o começo para este fim (e que cena magnífica a do final!)
No caso do The VVitch, a pergunta é “o que faremos com esta garota?” desde que Thomasin é objeto da incompreensão do pai, do ressentimento da mãe, do desejo incestuoso do irmão e do desprezo dos irmãos menores, e só a intervenção de Black Philip, o avatar das profundezas, lhe oferece a alternativa, antes impensável, de “viver deliciosamente” (e que cena magnífica a do final!)
Pois bem, em Midsommar ambas as perguntas conduzem a trama – os aldeões de Helga precisam de vítimas para o sacrifício quase-centenial, e Dani, a protagonista, está afundando na depressão, perdida entre o trauma da perda familiar e a indiferença dos amigos e do namorado, mas seus passos a levam para uma oportunidade de cura e reinício (literalmente, porque é através da dança das donzelas que ela assume a coroa florida da Rainha da Primavera e se encontra na posição de, perto do fim, escolher a última das nove vítimas sacrificiais).
O contraste das cenas escuras do início do filme e da luminosidade sobrenatural do sol-da-meia-noite, brilhando desde o céu ferozmente azul sobre as roupas e paredes brancas da aldeia e seus habitantes, já deixa claro que saímos de um mundo e um tempo que nos são familiares para adentrar terreno desconhecido, e que segredos antes ocultos na escuridão serão impiedosamente iluminados pela luz incessante.
Há muitos momentos absolutamente chocantes, tanto visual quanto psicologicamente, e nada é ocultado, nem do sol, nem dos protagonistas e nem dos espectadores; no entanto, a pura beleza que permeia o filme emoldura cada cena e faz o milagre de reconciliar opostos de um modo inacreditável.
Só sei que saí do cinema em transe e maravilhamento, e desejo a vocês a mesma experiência.