Amanhã a comunidade druídica do hemisfério Sul (excetuando os que seguem o calendário da
Roda do Norte) comemora o festival céltico do Samhain, o fim/começo do ano, o dia de reverenciar os
Ancestrais, a noite em que os mortos e os ainda por nascer visitam suas famílias terrenas -- e que deu origem à festa completamente secular do Halloween, mas isto é outra história...
Já virou um clichê pagão dizer que nesta data, e nos dias antes e depois dela, o véu entre os mundos fica mais fino, e mesmo os menos sensitivos percebem que algo fora do comum acontece, um cheiro do sobrenatural invade o cotidiano, e só dias depois a normalidade mundana é restaurada...mas vamos olhar com mais cuidado esta noção do "véu" e o que ela pressupõe das relações entre o Outro Mundo e o nosso.
Começo por uma pergunta simples: qual é a distãncia entre este mundo e o Outro?
Já aviso que a tradição não ajuda -- se de um lado a história de
Donn, filho de Mil, sugere uma rota por mar, com paradas específicas, outros mitos falam de transições instantãneas e muitas vezes involuntárias, geralmente envolvendo lugares/tempos ditos liminares como o crepúsculo, a orla do mar, o espaço entre duas árvores ou pedras megalíticas, algo tão fácil como ir de um cômodo da casa a outro passando pela porta entre eles.
Um conceito fundamental nas culturas Indo-Européias é o da
Ordem universal, que sustenta a Criação e é sustentada pelos ritos e ações humanas; uma manifestação dessa Ordem aparece no mito de Rõmulo e Remo fundando a cidade de Roma -- Rõmulo traça os limites da futura cidade com um arado de boi, e ao chegar ao local designado para os portões ele levanta a lâmina do arado, pousando-a mais à frente; Remo, para zombar dele, cruza a fronteira pela linha do arado, não pelo portão, e Rômulo o mata ali mesmo pela transgressão da ordem humana, reflexo da Ordem universal.
Muros e barreiras tem a função de delimitar e separar, não podem ser cruzados diretamente sem serem destruídos, mas é para isso que existem as portas -- ao invés de postular um "véu" ou membrana entre os mundos, a ser rasgado sem cerimônia todos os anos, uma expressão da Ordem violada pelo Caos, não parece muito mais razoável imaginar um ou mais portais ligando os mundos, conhecidos apenas pelos Sábios, e abertos ao viajante?
Foi por isso que os fundadores da
Ár nDraíocht Féin, a ADF, incluíram como parte da sua cosmologia e
liturgia o conceito do Portal entre o Outro Mundo e o nosso, guardado/controlado por uma Divindade do tipo
Psicopompo, e que nos ritos é deliberadamente evocado e aberto pela ação conjunta dos ritualistas e da Divindade para permitir a livre troca de bênçãos entre os Deuses, Ancestrais e Espíritos da Natureza e os participantes humanos do rito, e que no encerramento é expressamente fechado pelo Psicopompo até a próxima vez.
Voltando à pergunta anterior -- qual é a distância entre este mundo e o Outro? -- a noção do Portal torna sua resposta irrelevante: tanto faz se a jornada entre ambos é de 3 dias, 3 meses ou 3 anos, ou se são tão próximos como a cara e a coroa da mesma moeda, a distância se dissolve pela magia do Portal e seu Guardião, e os Ancestrais nos visitam no festival sempre renovado, partilhando do banquete, da música e do fogo da hospitalidade a eles devida.
Eles estão batendo na porta, é falta de educação deixá-los esperando, faça-os entrar!
2 comentários:
Linda postagem!!! e coberta de rasão.
Obrigado.
Linda postagem.
Abrir os portais com gentileza trás otinas vibrações.
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