terça-feira, 22 de novembro de 2011

Espaços Sagrados

Eu iria falar aqui sobre Stonehenge, Newgrange, Tara, Glastonbury e tantos outros lugares ditos sagrados, mas outras pessoas já o fizeram melhor que eu -- a questão dos espaços sagrados, sejam domésticos (altares) ou exteriores (santuários), não pode ser entendida se não pararmos agora e analisarmos um ponto importante.
Mais uma vez, quando olhamos com olhos de Druida a palavra "sagrado", o que vemos aí? Nada menos que o pressuposto que o grande Mircea Eliade descreve quando fala que o sagrado se distingue do profano e é por ele definido -- ou seja, há lugares, objetos, seres e situações "não-sagrados", e o mundo é um oceano de profanidade com esparsas ilhas onde o sagrado se manifesta...
Muitos foram os que perceberam isso antes de mim, claro, mas acabaram caindo no erro oposto de achar que "tudo é sagrado" (e até mesmo atribuir essa visão de mundo aos Celtas antigos!) -- no entanto, como disse um sábio, "se todo mundo é especial, isso significa que ninguém é".
"Mas", dirão vocês, "o sagrado existe, há uma grande diferença entre o que eu sinto diante do meu altar e passando pelo depósito de lixo perto de casa!"
Sim, a experiência do sagrado, do numinoso, da Presença é real, até mesmo para leigos totais no assunto: porém, me parece que a questão foi descrita de modo certeiro e irretocável por Aldous Huxley:

"Se as portas da percepção fossem abertas, tudo pareceria ser como é, infinito"

Ah, então é uma questão de saber ver?
O grande bardo William Blake dizia:

"Para ver o Mundo num grâo de areia
e o Paraíso numa flor silvestre,
Segura o Infinito na palma da mâo
e a Eternidade numa hora"

Agora vemos que ambas as visôes descritas no começo são viáveis em si mesmas e compativeis entre si -- tudo é sagrado, mas nós às vezes não sabemos ver do jeito certo e aí fazemos distinção entre sagrado e profano.
Já foi dito no meio druídico que o Outro-Mundo não é mais que este mundo quando visto com outros olhos; do mesmo modo, o que distingue os santuários mencionados nas primeiras linhas deste texto dos outros lugares "comuns" é que lá, por uma série de fatores, é mais fácil ao observador olhar-de-outro-modo e perceber a Presença manifesta -- se ele fizesse a mesma coisa, digamos, na cozinha da sua casa, ele a descobriria como um lugar sacrossanto, o Santuário do Fogo do Lar, e essa experiência mudaria o modo como ele se comporta ali (talvez ele passasse a rezar antes de cozinhar ou comer, talvez criasse um minialtar numa prateleira da janela, quem sabe?)
E por esse prisma, vemos que não existe "consagração", o ato ritual de tornar sagrada alguma coisa: o rito, se for bem feito, apenas nos desperta a atenção para a sacralidade já presente ali, da qual nos havíamos esquecido ou ignorávamos, e essa atenção abrange o celebrante e os presentes ao rito -- o que é um dos motivos pelos quais a tradição druídica de ritos abertos ao público é fundamental no processo de educar a consciência coletiva sobre a verdadeira natureza da Natureza, e mostrar que coisas simples como recolher o lixo num parque são cerimônias sagradas para quem sabe ver-com-olhos-de-Druida.

Bendito o Sagrado, que é em toda parte
Benditas as partes onde o Sagrado se revela
Benditos os que sabem que o Sagrado
é Aqui e Agora

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