segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Endovélico, Semana 18: Gênero e Sexualidade


Nesta semana a questão se refere a como os temas do título se expressam no culto de Endovélico,  o que é menos simples do que parece à primeira vista -- normalmente se pensa que divindades guerreiras tendem a ter devotos masculinos e as Deusas-Mães a devoção das mulheres, mas como isso se aplica ao nosso deus?
Como já vimos, há uma quantidade relativamente grande de inscrições em altares ofertados como ex-votos a Endovélico, e boa parte deles foi "assinada" pelos seus doadores; mais homens que mulheres fizeram estas oferendas, mas elas perfazem 33% do total, uma porcentagem muito acima da encontrada para outras divindades, mesmo para as deusas; é possível que a porcentagem real fosse ainda maior, levando-se em conta que a amostragem das inscrições disponíveis é limitada e distorcida, e levando em conta que Esculápio/Asklépios, a sua contraparte greco-romana, tinha um culto majoritariamente feminino e de todas as classes sociais, incluindo escravos e estrangeiros -- o que faz sentido, levando-se em conta que a benevolência do Curador é um artigo de alta demanda, independentemente de gênero, idade e classe social, e que seria natural que fossem as mulheres a pedir pela saúde de seus pais, maridos ou filhos no santuário do deus (mesmo que muitos maridos apareçam pedindo por suas esposas ou filhas).

(Uma GPN minha, que menciono aqui pela primeira vez, é que eu às vezes percebo a face do Oráculo como sendo feminina, em contraponto com a masculinidade do Curador e de uma certa androginia na criança alada que retrata o Psicopompo em imagens de São Miguel da Mota -- a liminalidade do deus permite que ele flua entre os gêneros de acordo com a necessidade).
Obviamente um deus da cura vai obrigatoriamente lidar com as questões da sexualidade, como alguns ex-votos de cerâmica do Asklepeion de Epidauro (em forma de seios, genitais masculinos e femininos) indicam -- não temos relatos escritos do lado Ibérico ou ex-votos similares, mas a natureza humana sendo a mesma em todas as partes, só podemos concluir que o santuário de Endovélico era similarmente procurado nestes casos.
Mas e quanto à sexualidade em si, fora do campo da saúde reprodutiva? Alguns autores consideram que a Ibéria, pré-romana e romana, seria um "centro sexual" para todo o Mediterrãneo (mencionando que o imperador Adriano e os poetas Juvenal e Marcial seriam ibéricos, o que "justificaria" seus comportamentos tão bem registrados pela História...)-- não temos registros antes da conquista romana, mas Roma foi muito bem descrita em crônicas como sendo simultaneamente austera/puritana e lasciva, oscilando entre um e outro extremo de acordo com o período histórico, o Imperador regente, ou as modas que surgiam e sumiam entre seus cidadãos; podiam não ver com bons olhos orgias coletivas (e certamente ficariam horrorizados se soubessem que é exatamente assim que são representados na imaginação popular moderna!) mas não sofriam do fanatismo negador da carne que a Cristandade traria ao mundo, e embora, diferentemente do que se crê hoje, não "aceitassem" a homossexualidade no contexto em que nós entendemos o termo, pelo menos tinham por ela uma tolerãncia bem-humorada que até podia incluir sátiras ocasionais, mas não anátemas.
(Devo mencionar que escrevo esta Semana após celebrar o Beltane com o Ramo de Carvalho, neste sábado passado?)


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