Uma notícia recente, sobre uma decisão judicial que contém a declaração polêmica de que apenas as religiões baseadas num livro sagrado (como a Torá hebraica, o Evangelho cristão ou o Corão islãmico) são religiões legítimas, está causando uma compreensível revolta entre os seguidores das religiões afro-brasileiras, dos cultos indígenas nativos, e dos pagãos em geral, seguidores do Druidismo aí incluídos -- a decisão, embora seja tão inconstitucional que seja passível de ser contestada e derrubada com facilidade, aponta para um recrudescimento do conflito inter-religioso, fomentado específicamente por denominações radicais evangélicas que querem primeiro a supremacia, e depois a exclusividade, sobre todas as outras fés, que para elas são de origem demoníaca e portanto devem ser combatidas e exterminadas a todo custo.
Mas antes de prosseguir, gostaria de contar uma história, criada há décadas atrás por Oberon Zell, e aqui narrada com minhas palavras...
No primeiro capítulo do Gênesis, vemos Deus criando o ser humano, macho e fêmea, e no segundo vemos Deus criando o homem do barro e o pondo no Jardim do Éden, plantado por Deus para ele -- vários teólogos cristãos já fizeram a distinção entre o que, na verdade, são dois relatos da criação do homem, o "eloísta" (Gen 1) e o "javísta" (Gen 2), sendo o primeiro a ação de Elohim e o segundo de Yahveh.
Começa que Elohim é um nome misto, uma raiz feminina (Eloha, "deusa"?) e o plural masculino "im", o que sugere um coletivo de Deuses de ambos os gêneros (para mim, na tradição Celta, isso de "Deusa-e-Deuses" evoca as Tuatha Dé Danann, as tribos (divinas) da Deusa Danu), e sugere uma criação inicial onde as Divindades criam o mundo, os seres vivos, e o homem, de comum acordo, talvez cada uma responsável por um território específico...e então, no 2° capítulo, o foco da narrativa vai para Yahveh, uma das Divindades, e sua criação particular de Adão e Eva no Éden, que todos sabemos que não correu como o planejado por obra & graça da Serpente (que fez exatamente como Prometeu no mito grego, enfrentando os desígnios Divinos para abrir os olhos da humanidade: porque ele é considerado um herói e benfeitor da Humanidade e ela é vilipendiada ainda hoje, é um mistério...)
Depois disso temos a história de Caim e Abel, onde o primeiro mata o segundo e foge para longe, onde se casa e gera descendência -- pois então, com quem ele poderia ter se casado, se não com uma mulher dos Outros, daqueles humanos feitos pelos incontáveis Elohim e fora da jurisdição de Yahveh? Set, o terceiro filho de Adão e Eva, e as centenas de irmãos e irmãs que teve, também foram encontrar parceiros entre os Outros, já que o tabu do incesto fazia parte da linha adãmica desde o início...
E então veio o Dilúvio, e só a linhagem adãmica de Set, via Noé, sobreviveu na Arca...só que a Bíblia esqueceu, ou não quis contar, que pelo mundo afora Outros estavam sendo orientados por seus respectivos Elohim a fazerem suas próprias Arcas e nelas salvarem a si e seus animais, de modo que, entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
Fim da história.
Qual é a moral, qual o ensinamento, que essa história quer transmitir?
Apenas isso:
Nós, Pagãos do passado, presente e futuro, não temos nada a ver com vocês, Adãmicos.
Nossos Deuses e Deusas são os Elohim citados no início da sua Bíblia, o seu Yahveh era apenas um dentre eles, não o único e nem ao menos o maior deles.
Os Deuses nos criaram pelas leis da mesma Natureza por eles feita, nós não fomos moldados como artefatos ou brinquedos por um deus caprichoso e ciumento.
Nós somos os Outros.
Nossos Ancestrais, guiados pelos Deuses, sobreviveram ao Dilúvio lado a lado com o seu Noé, igualmente merecedores da vida.
Nós não herdamos de nossos Ancestrais nenhum pecado original, nenhum fruto proibido queima em nossos ventres, nenhuma marca de Caim arde em nossas frontes.
Nós somos os Outros.
Não sofremos a Queda que vocês dizem ter sofrido, não precisamos de profetas a nos guiar, escrituras sagradas às quais seguir, messias para nos salvar, sacramentos para nos redimir.
Nós somos os Outros.
Nossos Deuses, os Elohim que criaram céus e terras, falam conosco, em nossos corações e mentes, e essa é toda a orientação de que precisamos.
Somos livres para ler e escrever o que quisermos, criar fantasias ou desenvolver ciências, pois os Deuses não são ciumentos como o seu Yahveh, não exigem devoção exclusiva sob pena de condenação eterna.
Nem estamos destinados ao Céu, nem condenados ao Inferno -- nossos Deuses têm outros planos em mente para nós, e nesses planos não há espaço para o choro e o ranger de dentes que vocês, Adãmicos, tanto temem.
Nós somos os Outros.
Nosso caminho não é o seu, suas leis e crenças não se aplicam a nós, todo o proselitismo que tem regido sua interação conosco é inútil, indesejável e, a partir de agora, veementemente rejeitado.
Nós somos os Outros.
Porque os Elohim eram um todo harmônico desde o início, entre as tribos dos Outros nunca uma blasfemou contra os Deuses da outra -- não até Yahveh, sob cujo jugo vocês vivem, voltar as costas aos Elohim e declarar guerra a Eles e aos que os seguem, em seu ciúme e ambição de ser o Único.
Nós somos os Outros.
Àqueles de vocês que se cansarem do jugo e da violência de tantos milênios, nós estendemos a mão para que andem lado a lado conosco, árvores diferentes num Jardim bem mais amplo e diverso que o do Éden.
Aos que ainda sonham em fazer a vontade de seu ciumento senhor, e estabelecer seu reino ainda que às custas de tudo que é sagrado aos Elohim, nós advertimos: o tempo da tolerância ao mal já passou.
Nós viemos para ficar.
Nós somos os Outros.
3 comentários:
Texto perfeito, estou encantada. Está mais do que na hora dos pagãos saírem das sombras
Grata, grata por colocar tão maravilhosamente bem juntos: sentimentos, pensamentos e conhecimento. Asè, Saravá, Motumbá, Kolofé, Blessed Be, Salve!
Nos sempre estivemos aqui e nossas tradições são muito mais antigas, nossos deuses são a base das leis naturais e por isso noa precisão ser ditadores, eles não tem nada a temer como o deus cristão que destrói tudo aquilo que é incapaz de compreender.
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