Virou moda essa história.
“Gratidão”.
“Gratiluz”.
As pessoinhas ditas “espiritualizadas” agora só respondem assim quando alguém lhes faz um favor ou dá alguma coisa.
Porque dizer “obrigado” é negativo.
“Obriga” a pessoinha recebedora a retribuir.
E todos sabemos que “obrigação” é igual a “opressão”, não é mesmo?
(........)
Então, gentis pessoinhas-de-luz, eu tenho uma boa e uma má notícia para vocês.
Sim, vocês estão certas,“obrigado” implica em uma obrigação com a pessoa que fez o favor/ deu o presente.
Não, isso NÂO é uma opressão sobre o eu-cósmico-livre-e-ilimitado de vocês!
Então, quando olhamos para a cosmovisão celto-druídica, vemos que tudo o que existe, dos Deuses ao grão de pó, está ligado a tudo o mais, uma imensa rede capilar de relacionamentos onde o sangue que flui é o poder criativo da
Oran Mor, e absolutamente nada pode se separar dessa rede e continuar existindo.
Dar-e-receber é um processo simultâneo e contínuo.
A todo instante, recebemos dons de inúmeros seres passados e presentes, e a todo instante concedemos dons a inúmeras criaturas presentes e futuras.
Cada ação nossa é parte desse processo, conscientemente ou não.
Aqueles de nós que já temos uma certa consciência do processo tentamos fazer com que o que damos seja sempre o melhor de nossa capacidade e intenção, de modo a ser realmente para benefício de todos, incluindo a nós mesmos.
Nesse dar-e-receber, a relação de reciprocidade não implica em opressão – eu recebo, e ao receber estou “obrigado” a dar em troca não por leis ou entidades julgadoras, mas porque a natureza essencial da rede universal implica em que todo ato tenha uma resposta.
Se dois amigos tem o hábito de se encontrar para comer pizza nas tardes de sexta-feira, e a cada vez um deles paga pelos dois, e um certo dia um deles percebe que perdeu a conta e não sabe se hoje é a vez dele ou não, o que ele faz?
a) tira do bolso a agenda onde contabilizou datas, quem pagou e quanto a cada vez
b) pega a conta da mão do garçom antes do amigo, paga sem piscar, e recomeçam a contagem partindo daí
...se você respondeu a), desculpe, mas a sua amizade não presta e não quero saber dela, desde que você dá mais valor ao acerto de contas que ao encontro semanal em si: em se tratando de amigos que se vêem a cada semana, que diferença faz de quem é a vez de pagar?
Algum deles está “obrigado” a essa situação, ou ela foi livremente tomada, movida que foi pela relação de amizade deles?
Essa ojeriza a dever obrigações, de depender de outros, de ser “obrigado” a fazer coisas em vez de viver livre e despreocupado, nasce da ilusão egoísta de que é possível ser independente, não dever nada a ninguém e não depender de nada além de si, de que todas as respostas e capacidades de que se precise estão dentro do indivíduo e não precisam vir de fora dele – o mesmo olhar-para-o-umbigo que já vimos antes, vão e ilusório, que se desfaz em bruma diante da revelação da interdependência de todas as coisas que a Natureza nos ensina e que nós, Druidas, reconhecemos como parte essencial da realidade.
Dito isto, eu sei que tenho muito a agradecer.
Mesmo um annus horribilis como 2019 tem muitas bênçãos pelas quais dizer “obrigado” de boca cheia, e muitas dádivas a retribuir.
Obrigado, à toda a Vida, por mais um ano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário