quarta-feira, 29 de julho de 2015

Alma: Oceânica



Agora estamos em terreno conhecido (ou quase): quando dizemos "eu" e pomos a mão no peito, é da Alma Oceânica que falamos e é com ela que nosso senso de personalidade se identifica. Nascida da cultura e da família, assimilando-as desde o nascimento biológico, o momento crucial na sua formação é a aquisição da linguagem, lá pelo final do primeiro ano de vida - a partir daí, a percepção clara do meio ambiente que a Alma Telúrica fornecia passa a ser "filtrada" pela linguagem. Você não pode olhar para uma árvore sem que a Alma Oceânica imediatamente diga "árvore!" e a associe a todas as árvores já vistas ao vivo ou imagens delas, ou seja, você abstrai um conceito arbóreo que pouco ou nada tem a ver com a arboridade daquela árvore particular à sua frente.
Dito assim, o dom verbal até parece um defeito - William Burroughs escreveu (e Laurie Anderson cantou) que "a linguagem é um vírus" - mas obviamente o problema está no uso errado desse dom: não será o Druidismo, que tem a casta dos Bardos no centro do seu sacerdócio, que fará uma denúncia do dom que cria obras-primas de música e poesia.
Quando meditamos no silêncio moderado de um bosque fechado, ou no silêncio abissal do espaço profundo, é quase com um choque que o incessante ruído do mar, calmo ou tempestuoso, surge em comparação: esse é o motivo pelo qual eu escolhi chamar esta alma de Oceânica, porque seu estado natural é o do diálogo interior sem fim, entremeado de músicas ouvidas, séries assistidas, conteúdos se sucedendo em marés e ondas...é de se admirar que virtualmente toda disciplina espiritual digna do nome insista na prática da meditação como um meio de quebrar a possessão verbal que acomete a Alma Oceânica e permitir que ela pare para ouvir a voz instintiva da Alma Telúrica ou os sopros da Alma Celeste?
O centro de comando da Alma Oceânica é, como já vimos, o peito, de onde vibra o ar e o som da fala, onde a maioria de nós localiza o eu, e onde está o Caldeirão da Vocação, que nasce virado de lado e, portanto, semi-cheio; é pela vivência e transmutação das emoções, em especial a Alegria e a Tristeza, que esse caldeirão é virado para cima e pode ser preenchido com a força emocional que dá o impulso criativo para a ação no mundo.
Como ela nasce e é alimentada pela cultura humana, são os Ancestrais (que ajudaram a criar essa cultura) os seres que mais se associam a ela: é na personalidade que encontram-se, por vezes, pequenos traços de comportamento que revivem os de algum antepassado próximo ou distante, e muitas vezes um ou mais dos Ancestrais guia a Alma Oceânica durante a vida, mesmo que ela nunca venha a se aperceber disso pela sua surdez intrínseca...
É por essa surdez, típica de quem só quer falar e não ouvir, que na maioria das vezes a Alma Celeste e/ou entidades das Três Famílias transmitem suas mensagens diretamente à Alma Telúrica, que fala pouco mas está sempre de orelha em pé, e que acaba passando o recado à sua irmã tagarela por pressentimentos ou sonhos - mas, se a pessoa pratica meditação e aprendeu a silenciar esse diálogo, o Oceano se torna um lago/espelho, onde as intuições podem ser refletidas clara e conscientemente, e é esse estado um dos objetivos da meditação druídica.

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