domingo, 8 de junho de 2014

Círculos



A vasta obra de Edward Williams, mais conhecido pelo pseudônimo literário de Iolo Morganwg, ocupa uma posição ambivalente no pensamento druídico moderno: os grupos Mesodruídicos (os do Renascimento druídico do século XVII, de inspiração hermético-maçõnica) o veneram como o pioneiro redescobridor da doutrina dos antigos Druidas, revelada ao mundo no seu tratado monumental Barddas, enquanto os Neodruidas o denunciam como um forjador barato que criou tudo da própria imaginação, e os Reconstrucionistas Celtas sequer se dignam a emitir opinião a respeito dele.
Os estudiosos modernos da obra do Iolo chegaram à conclusão interessantíssima de que ele pode ter realmente topado com doutrinas e costumes autênticos preservados em bibliotecas ou guardados entre as famílias Galesas mais antigas, e a esse corpus obrigatoriamente fragmentário e incompleto ele não se furtou a acrescentar idéias e escritos de sua autoria -- o grande problema é que o texto final do Barddas foi tão bem costurado que não dá para saber o que é autêntico e o que veio dele...Philip Carr-Gomm, da OBOD, é da opinião (com a qual concordo) de que mesmo que Iolo tenha feito passar criações suas como se fossem antiguidades legítimas, ao escrevê-las ele estava agindo como um Druida antigo agiria, invocando a Inspiração do Awen e pondo-a no papel, e que talvez ele devesse ser olhado menos severamente pelos Druidas modernos e aceito como sendo, se não autêntico, pelo menos espiritualmente válido; quem quer qie já tenha lido, ou ouvido num rito público, a sua Oração Druídica, não tem como não sentir a força espiritual e a beleza artística presentes em cada linha dela (experimentem recitá-la ao acordar pela manhã, nem que seja só por uma semana, e vejam o que acontece!)
Um desses ensinamentos de "pedigree" incerto é o dos Círculos da Existência: numa visão reencarnacionista (para a qual não temos evidência nos textos da Irlanda, mais indicativos da metempsicose), Iolo fala da alma surgindo, em sua forma mais básica e rudimentar, do abismo de Annwn (que é o nome do Outro Mundo nos mitos Galeses), seguindo por ciclos de vidas sucessivas em todas as formas concebíveis no Abred, para culminar na sua forma mais perfeita no Gwynfyd -- para além disso, existe um Círculo ainda mais elevado, mas inacessível a todos os seres por suas condições extremas, onde apenas Deus (numa versão mais panteísta que personificada, a quem Iolo deu vários nomes e que grupos modernos chamam apenas de Incriado) existe, isolado e perfeito no Ceugant.
Se isso é um ensinamento tradicional dos Bardos de Gales sobre a situação da alma após a morte ou o resultado da meditação pessoal do Iolo sobre o tema, não sabemos -- essa questão da alma e sua trajetória pós-morte é complexa demais para este ensaio, terá que ficar para outra ocasião -- mas há algo de harmonioso e reconfortante no esquema dos Três Círculos que ressoa no espírito de muita gente e parece suficientemente plausível para fazer parte da crença de muita gente; para mim, não era algo particularmente relevante para a minha prática pessoal até há pouco, mas...
Mês passado, com alguns amigos da comunidade druídica, numa vigília à beira do fogo, já quase ao amanhecer a Inspiração me mostrou um possível símbolo para os Círculos quando olhei a faixa da Via Láctea acima de mim -- o espaço escuro e frio entre as galáxias é a imagem perfeita do abismo do Annwn, as galáxias são como ilhas no mar do espaço, e em seus braços em perpétua rotação sóis brilham sobre mundos como o nosso, onde vidas incontáveis seguem pelo Abred, ciclo após ciclo; o Centro Galáctico, radiante de luz e calor, o centro imóvel da Roda, representa o Gwynfyd, e oculto no meio de tanta luz um imenso buraco negro jaz no centro de tudo, onde nada feito de matéria ou energia pode entrar sem ser destruído, a perfeita imagem do Ceugant, onde o pensamento meramente humano cessa impotente diante do Mistério.
E então eu vi, e agora eu creio...
Da próxima vez que olharem o céu noturno, procurem a constelação de Escorpião e olhem para a ponta da sua cauda, onde estaria o ferrão -- façam isto, saibam que naquela direção, alguns milhares de anos-luz além,  o Centro da nossa galáxia jaz imóvel enquanto giramos à sua volta -- eu os desafio a, tendo lido isto, e olhado para onde apontei, não terem tido um arrepio espinha abaixo...

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