Essa frase faz parte da tradição Bárdica de Gales, conforme descrita por
Iolo Morganwg no
Barddas, uma exortação a afirmar o que é certo mesmo que o mundo inteiro seja contra –não é irônico que isso faça parte do que é considerada uma das maiores imposturas da história da literatura? A essa altura até as pedras do fundo do riacho sabem que Iolo não se furtou a preencher as muitas lacunas de seu trabalho de pesquisa da tradição céltica de Gales com textos de sua própria criação, e com uma costura tão bem feita que não dá pra distinguir o forjado do autêntico...e no entanto não foi exatamente uma mentira, podemos dizer que ele, durante seu surto de
Inspiração poética, estava agindo como um Bardo antigo o faria, e portanto sua criação é válida mesmo que não autêntica.
A ênfase quase obsessiva com a verdade está presente desde os primórdios da tradição Celta, certamente herdada dos seus antecessores culturais, os Proto-Indo-Europeus: a ilustração acima evoca o lendário cálice de quatro lados que o deus Manannán deu ao rei
Cormac, e que se partia em pedaços se uma mentira fosse dita diante dele, mas se reconstituía como novo se três verdades fossem proclamadas do mesmo modo – um perfeito detector de mentiras, e um instrumento valioso para um rei em seu papel de juiz.
Havia até mesmo uma expressão,
firínne flátha, “a verdade/justiça do regente”, que expressa uma verdade de ordem ritual/cosmológica: se o rei, o ponto de equilíbrio entre Tribo e Terra, este mundo e o Outro-Mundo, entre
Cáu, Mar e Terra, é saudável de corpo e espírito, e essa saúde se manifesta como a harmonia entre o que ele diz e como as coisas são, o reino permanece harmônico, mas se ele falha ao manter a Verdade o reino malogra – lemos que o rei Lugaid proferiu um juízo falso e metade do salão real desabou, incluindo a colina onde estava assentado, mas imediatamente o jovem Cormac mac Art pronunciou o juízo verdadeiro e salão & colina foram miraculosamente restaurados.
A função jurídico-legal é partilhada entre reis e Druidas, que são “como dois rins na mesma besta”, e sabemos que Druidas como Cathbad do Ulster são consultados a todo momento sobre a verdade de uma situação, ou a verdade do que virá a ser, e a divinação é um meio auxiliar da razão e da memória freqüentemente utilizado; mas todas as classes tem um compromisso, fundamentado na honra e na imagem pessoal, com a Verdade: como Oisín
disse a são
Patrício, os Irlandeses se sustentavam “pela verdade de nossos corações, pela força de nossos braços, pela palavra cumprida em nossas línguas”.
Mas, e hoje?
Depois que o Pós-Modernismo declarou que não existe uma verdade objetiva e absoluta, e que todos os pontos de vista sob qualquer tema são igualmente válidos, chegamos recentemente ao abismo da “pós-verdade”, onde notícias deliberadamente falsas disputam espaço midiático e atenção com as verdadeiras e usurpam seu lugar, e poucos são os que tem o discernimento de examinar com cuidado cada uma antes de lhe dar crédito; a Mentira, antes abominada por virtualmente todas as civilizações antigas, foi entronizada, e já nem precisa se disfarçar de Verdade para obter admiração, e as pessoas não percebem que bem mais que um salão real está desabando sobre suas cabeças em decorrência disto.
Aqueles de nós que ainda nos apegamos aos modos originais de ser continuamos devotos da Verdade, cultivando-a em nossas vidas, família, amigos, trabalho, diante dos Deuses, Ancestrais e Espíritos e, o mais difícil, sozinhos conosco mesmos...e faz parte de nossa vocação sustentar a excelência da Verdade sobre a Mentira, lembrar as pessoas quais são as conseqüências da falsidade no indivíduo e na sociedade, e proclamar a Verdade ainda que contra o Mundo, sabendo que seu tempo voltará um dia.
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