sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Alma: Morte



E o que acontece na hora da morte, qual o destino das Três Almas? Vamos usar a estrutura já vista dos Círculos da Existência como base para discutir isso num esquema mais amplo.
Para a Alma Telúrica, a aproximação da morte é recebida com o pavor do instinto de preservação ativado, e ela vai lutar enquanto puder, mas paradoxalmente o instante da morte em si é recebido com algo próximo da aceitação, sobretudo após uma longa doença; já vimos que o senso de "eu" é exclusivo da Alma Oceânica, não está aqui, porque ela sabe instintivamente que, muito embora ela vá se dissolver e os elementos densos e sutis que a compôem vão se separar e ser reabsorvidos no círculo de Annwn, o abismo primordial de onde vieram, a experiência de vida que ela acumulou será preservada e, digamos assim, "reciclada" para formar novas Almas Telúricas, cada uma com fragmentos das Almas que a antecederam - é interessante lembrar que, como nossos avós diziam, antigamente os bebês nasciam de olhos fechados e só os abriam dias depois do nascimento, e que isso já não ocorre, o que aponta para uma progressiva ampliação da consciência coletiva que é individualizada nas Almas Telúricas.
O verdadeiro terror da morte, no entanto, está no coração da Alma Oceânica, que tem um senso de "eu" e teme sua extinção após a morte, especialmente se não tiver alguma religião ou filosofia que ensine a imortalidade da alma - mas, como já vimos, se o ser vive várias existências, e em cada uma delas começa do zero, isso sugere que ela não sobrevive intacta à morte, porque seu plano de existência é o círculo do Abred, a roda dos renascimentos, a cada vez com uma nova identidade sem lembrança consciente das identidades anteriores.
É na Alma Celeste que o medo da morte inexiste, porque ela já habita, mesmo durante a encarnação, o círculo de Gwynfyd, o mundo da vida eterna, e no momento da morte ela, num último gesto, toca as Almas Telúrica e Oceânica e recolhe as memórias e experiências de vida relevantes, a sua colheita daquela encarnação, guardando-as consigo junto com todas as experiências das vidas anteriores, sem contudo identificar-se com alguma em particular.
É curioso notar que a Alma Telúrica é imortal mesmo que não perene, e a Alma Celeste é verdadeiramente imortal e perene, e é a Alma Oceânica, aquela que chamamos de "eu" e que é geralmente a única da qual temos conhecimento, aquela que nem é imortal nem perene, que só persiste como memória guardada pela Alma Celeste...
Mas vejam, isto só se aplica aos casos de morte natural, por velhice ou doença - e quanto às mortes súbitas e violentas, por agressão ou acidentes? Nestes casos, é possível às Almas Telúrica e Oceânica persistirem algum tempo após a morte, dando origem ao fenômeno das aparições de "fantasmas" - a Alma Telúrica, ou a sua parte sutil, permanece como um amálgama de instintos, apego/aversão e energia vital não- desgastada pelos processos de morte natural, sem as Almas superiores para guiá-la, e vai estar suficientemente próxima do mundo material para ser capaz de manifestação física, gerando ruídos, toques, às vezes aparições do tipo poltergeist, mas sem nada que sugira uma inteligência ou identidade por detrás, durando até gastar a energia vital e então se dissolvendo no abismo do Annwn; a Alma Oceânica pode persistir, quanto mais apegada à existência for a sua personalidade, e quando aparece pode até ser capaz de comunicação, mas o que se observa mais parece uma gravação, repetindo frases e padrões de comportamento, sem originalidade ou vontade própria, até se dissolver no Abred. As aparições da Alma Celeste são raríssimas, sempre com um propósito maior que o mero apego à existência terrestre, e aí ela se vale da memória para "recriar" a personalidade original da Alma Oceânica como uma interface para a comunicação, que é verdadeiramente original e criativa: o exemplo de Fergus mac Roich , surgindo em seu túmulo e ensinando a narrativa do Táin Bó Cuailnge ao Bardo que sem querer o evocou, seria um exemplo clássico na tradição Druídica.
Quando chega a hora, se a Alma Celeste ainda não está pronta para permanecer definitivamente no Gwynfyd, ela escolhe cuidadosamente as condições da nova encarnação, com ajuda dos Deuses, Ancestrais e Espíritos, e desce para se unir às novas Almas Oceânica e Telúrica recém-formadas, e a Roda das Existências dá um novo giro.

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