terça-feira, 27 de maio de 2014

Alexei Kondratiev


Nesta data, há quatro anos atrás, o grande Alexei Kondratiev cruzava os portais do Outro Mundo para ingressar nas fileiras dos Sábios -- um posto mais que merecido, após décadas de trabalho incessante de ensino e divulgação cultural, domínio das línguas Célticas, colaboração com a Celtic League, co-fundação do coletivo IMBAS, além de ter escrito o clássico The Apple Branch, referência de muitos no caminho druídico em rituais e costumes tradicionais.
E parece adequado que, há um dia atrás (e certamente NÃO por coincidência...), sua obra póstuma, o Lorekeeper´s Course, tenha sido liberado em sua versão em língua portuguesa, graças aos esforços de Renata Gueiros e Leonni Moura, que as bênçãos dos Deuses e não-Deuses estejam sobre eles...
Kondratiev e outros membros da Celtic League e do IMBAS criaram o curso, que foi interrompido pelo seu falecimento, ficou em estase um tempo e, ressuscitado, levado à completude e publicado -- e agora, disponível para a comunidade druídica lusófona em toda sua riqueza, complexidade e profundidade.
Imaginem esse novaiorquino de ascendência franco-russa, criado entre os Estados Unidos e a França, que observava as aves nos bosques da Borgonha e era, já naquela época, exposto aos costumes campesinos reminiscentes do paganismo:
"...Havia um laguinho perto onde as pessoas jogavam pedras à guisa de oferenda, mas ninguém falava sobre o porquê disso, era apenas uma coisa que se fazia porque sempre se fez assim; na floresta sempre aparecia um ou outro altar improvisado ao pé de uma árvore, algumas pedras formando uma mesa rústica, onde se punha uma flor ou outro pequeno presente..." (entrevista concedida a Ellen Evert Hopman, no livro Being a Pagan: Druids, Wiccans and Witches Today, em 1993)
Imaginem sua casinha no Queens, em Nova Iorque, uma raridade com quintal e horta cultivados por ele no meio do concreto, não muito longe de uma praça com uma pereira no norte da ilha de Manhattan que ele visitava com frequência -- seu amor pela Natureza nunca o abandonou, mesmo que o mundo à sua volta não o acompanhasse nisso:
"...e então Paris decretou que novas estradas eram necessárias pelo interior da França, e muitos dos velhos carvalhos da minha infância foram cortados para abrir caminho para essas estradas; eu lembro dos velhos da aldeia que, ao ouvir o som dos machados e das serras, tiravam o chapéu como que reverenciando recém-falecidos..." (Being a Pagan, mesma entrevista)
E lembrem da mensagem fundamental presente no Apple Branch e em toda a sua obra -- as culturas Célticas, antigas e modernas, só vão sobreviver ao imperialismo cultural do mundo moderno pelo esforço continuado daqueles que escolherem preservá-las pelo estudo e prática da linguagem, culinária, costumes e canções -- e, tendo isto em mente, façam um voto de zelar pelo legado que Kondratiev nos deixou...quem sabe, começando a estudar o Lorekeeper´s Course, desde que já não há mais a desculpa do idioma?

sábado, 17 de maio de 2014

Sacerdotes

Voltando à polêmica decisão judicial discriminatória contra as religiões não-abraãmicas, já li respostas contra isto questionando a necessidade de um livro sagrado (desde que a imensa maioria delas já existia séculos antes da invenção da escrita, ou desconfiava dela como possível fossilizadora da crença viva e recorria à oralidade) ou de uma única divindade cultuada (o que sempre foi um pensamento minoritário nas culturas antigas, quase algo não-natural de se pensar...) para definir a legitimidade de uma religião -- mas o terceiro quesito, a existência de um clero definido e hierarquizado, é mais complexa, mais relevante para o Druidismo entre as outras fés, e vamos examiná-la aqui.
Todos os livros de história contam o mesmo conto, de que os Druidas originais eram parte essencial da sociedade Celta e inseparáveis desta, e que quando a sociedade foi descaracterizada pela Romanização e depois pela Cristandade já não havia lugar para eles; muita gente hoje em dia, incluindo membros do Reconstrucionismo Celta, se baseia neste pensamento para questionar a legitimidade dos Druidas modernos enquanto sacerdotes, desde que a sociedade que deveria existir à volta deles já não está mais ali.
Uma religião que perdeu seus sacerdotes não existe mais, nem pode ser efetivamente revivida, este é o argumento -- MAS há um caso real, de uma religião real, que perdeu seus sacerdotes há milênios, e ainda assim sobreviveu e chegou, sem interrupções, aos nossos dias,  com o mesmo vigor de antes.
Eu apresento a vocês o Judaísmo.
Quando o Templo de Salomão,  em Jerusalém, foi destruído pelos Romanos, não só os sacerdotes já não tinham altares adequados para as oferendas a Yahveh, mas também os ritos de purificação sacerdotal e da iniciação de novos sacerdotes também cessaram, e em uma geração o clero hebraico morreu e não mais voltou...só sobraram aqueles personagens periféricos da religião, os que estudavam e debatiam as Escrituras nas aldeias e cidades, reunidos em suas pequenas sinagogas, e eventualmente oficiando os ritos cotidianos de circuncisões, bar-mitzvahs, casamentos e funerais, ensinando os jovens e aconselhando os perplexos: os Rabinos, que se viram obrigados a assumir um status sacerdotal latu senso, "tomando conta da lojinha" como na piada clássica, e zelando por seu povo e sua fé até hoje.
Nenhum Rabino se denomina ou mesmo se considera sacerdote, não importando seu conhecimento das Escrituras, competência na liturgia, ou reputação entre sua comunidade; eles estão lá, prestando serviços pastorais e cerimoniais, sonhando com a vinda do Messias que reconstruirá o Templo e iniciará uma nova linhagem de sacerdotes.
Só este exemplo já deveria fazer cair por terra essa concepção errônea de que uma religião legítima precisa de um sacerdócio "de verdade" (e é irônico que seja justamente uma das "fés do Livro", como dizem os Islãmicos, a primeira dentre elas, e a única que não foi infectada pelo vírus do proselitismo expansionista, a nos fornecer esse argumento contrário).
Isso serve como uma luva para nós no Druidismo: os Druidas originais morreram, os Druidas modernos são sacerdotes latu senso, exercendo atividades didáticas, pastorais e litúrgicas, não do modo de antes, mas zelando pela comunidade druídica no lugar dos que nos antecederam, hoje e sempre.
Meus irmãos, sacerdotes ou não, a Floresta precisa de nós!

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sexta-feira, 16 de maio de 2014

Os Outros

Uma notícia recente, sobre uma decisão judicial que contém a declaração polêmica de que apenas as religiões baseadas num livro sagrado (como a Torá hebraica, o Evangelho cristão ou o Corão islãmico) são religiões legítimas, está causando uma compreensível revolta entre os seguidores das religiões afro-brasileiras, dos cultos indígenas nativos, e dos pagãos em geral, seguidores do Druidismo aí incluídos -- a decisão, embora seja tão inconstitucional que seja passível de ser contestada e derrubada com facilidade, aponta para um recrudescimento do conflito inter-religioso, fomentado específicamente por denominações radicais evangélicas que querem primeiro a supremacia, e depois a exclusividade, sobre todas as outras fés, que para elas são de origem demoníaca e portanto devem ser combatidas e exterminadas a todo custo.
Mas antes de prosseguir, gostaria de contar uma história, criada há décadas atrás por Oberon Zell, e aqui narrada com minhas palavras...
No primeiro capítulo do Gênesis, vemos Deus criando o ser humano, macho e fêmea, e no segundo vemos Deus criando o homem do barro e o pondo no Jardim do Éden, plantado por Deus para ele -- vários teólogos cristãos já fizeram a distinção entre o que, na verdade, são dois relatos da criação do homem, o "eloísta" (Gen 1) e o "javísta" (Gen 2), sendo o primeiro a ação de Elohim e o segundo de Yahveh.
Começa que Elohim é um nome misto, uma raiz feminina (Eloha, "deusa"?) e o plural masculino "im", o que sugere um coletivo de Deuses de ambos os gêneros (para mim, na tradição Celta, isso de "Deusa-e-Deuses" evoca as Tuatha Dé Danann, as tribos (divinas) da Deusa Danu), e sugere uma criação inicial onde as Divindades criam o mundo, os seres vivos, e o homem, de comum acordo, talvez cada uma responsável por um território específico...e então, no 2° capítulo, o foco da narrativa vai para Yahveh, uma das Divindades, e sua criação particular de Adão e Eva no Éden, que todos sabemos que não correu como o planejado por obra & graça da Serpente (que fez exatamente como Prometeu no mito grego, enfrentando os desígnios Divinos para abrir os olhos da humanidade: porque ele é considerado um herói e benfeitor da Humanidade e ela é vilipendiada ainda hoje, é um mistério...)
Depois disso temos a história de Caim e Abel, onde o primeiro mata o segundo e foge para longe, onde se casa e gera descendência -- pois então, com quem ele poderia ter se casado, se não com uma mulher dos Outros, daqueles humanos feitos pelos incontáveis Elohim e fora da jurisdição de Yahveh? Set, o terceiro filho de Adão e Eva, e as centenas de irmãos e irmãs que teve, também foram encontrar parceiros entre os Outros, já que o tabu do incesto fazia parte da linha adãmica desde o início...
E então veio o Dilúvio, e só a linhagem adãmica de Set, via Noé, sobreviveu na Arca...só que a Bíblia esqueceu, ou não quis contar, que pelo mundo afora Outros estavam sendo orientados por seus respectivos Elohim a fazerem suas próprias Arcas e nelas salvarem a si e seus animais, de modo que, entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
Fim da história.
Qual é a moral, qual o ensinamento, que essa história quer transmitir?
Apenas isso:
Nós, Pagãos do passado, presente e futuro, não temos nada a ver com vocês, Adãmicos.
Nossos Deuses e Deusas são os Elohim citados no início da sua Bíblia, o seu Yahveh era apenas um dentre eles, não o único e nem ao menos o maior deles.
Os Deuses nos criaram pelas leis da mesma Natureza por eles feita, nós não fomos moldados como artefatos ou brinquedos por um deus caprichoso e ciumento.
Nós somos os Outros.
Nossos Ancestrais, guiados pelos Deuses, sobreviveram ao Dilúvio lado a lado com o seu Noé, igualmente merecedores da vida.
Nós não herdamos de nossos Ancestrais nenhum pecado original, nenhum fruto proibido queima em nossos ventres, nenhuma marca de Caim arde em nossas frontes.
Nós somos os Outros.
Não sofremos a Queda que vocês dizem ter sofrido, não precisamos de profetas a nos guiar, escrituras sagradas às quais seguir, messias para nos salvar, sacramentos para nos redimir.
Nós somos os Outros.
Nossos Deuses, os Elohim que criaram céus e terras, falam conosco, em nossos corações e mentes, e essa é toda a orientação de que precisamos.
Somos livres para ler e escrever o que quisermos, criar fantasias ou desenvolver ciências, pois os Deuses não são ciumentos como o seu Yahveh, não exigem devoção exclusiva sob pena de condenação eterna.
Nem estamos destinados ao Céu, nem condenados ao Inferno -- nossos Deuses têm outros planos em mente para nós, e nesses planos não há espaço para o choro e o ranger de dentes que vocês, Adãmicos, tanto temem.
Nós somos os Outros.
Nosso caminho não é o seu, suas leis e crenças não se aplicam a nós, todo o proselitismo que tem regido sua interação conosco é inútil, indesejável e, a partir de agora, veementemente rejeitado.
Nós somos os Outros.
Porque os Elohim eram um todo harmônico desde o início, entre as tribos dos Outros nunca uma blasfemou contra os Deuses da outra -- não até Yahveh, sob cujo jugo vocês vivem, voltar as costas aos Elohim e declarar guerra a Eles e aos que os seguem, em seu ciúme e ambição de ser o Único.
Nós somos os Outros.
Àqueles de vocês que se cansarem do jugo e da violência de tantos milênios, nós estendemos a mão para que andem lado a lado conosco, árvores diferentes num Jardim bem mais amplo e diverso que o do Éden.
Aos que ainda sonham em fazer a vontade de seu ciumento senhor, e estabelecer seu reino ainda que às custas de tudo que é sagrado aos Elohim, nós advertimos: o tempo da tolerância ao mal já passou.
Nós viemos para ficar.
Nós somos os Outros.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Wesak

Nesta noite (14/05) ergue-se no céu a Lua Cheia de Maio, festejada pelos esotéricos no Festival de Wesak.
(O que isso tem a ver com o Druidismo? Tenham paciência e verão...)
O que era uma festividade exclusiva dos Budistas, a celebração da Iluminação do Buda Gautama, foi, por assim dizer, "sequestrada" pela Sociedade Teosófica no começo do século XX, e passou a ser o dia máximo da Grande Fraternidade Branca, onde os Mestres Ascensionados desciam próximo ao mundo material para derramar suas bênçãos e ensinamentos, às vezes tornando-se visíveis aos discípulos e peregrinos reunidos no vale secreto onde a celebraçäo ocorre -- sim, parece algo saído do clássico "Horizonte Perdido" e sua lendária Shangri-lá, mas é com detalhes ainda mais luxuriantes que Leadbeater descreve a cena em "Os Mestres e a Senda", então tentem não estranhar muito...
Essa idéia do contato com os Mestres e sábios que já partiram para o Outro Mundo é virtualmente universal -- ocorrendo mesmo em contextos monoteístas: a literatura Cabalística é pródiga em discussões entre Rabinos já desencarnados e seus discípulos terrenos, por exemplo -- e nunca é demais lembrar que o texto do Táin Bó Cuailnge, a Ilíada irlandesa, havia se perdido deste mundo até ser restaurado a nós pela aparição espectral de Fergus mac Roich, um de seus protagonistas, que narra o texto completo da epopéia ao jovem Bardo que sem querer o evocou em seu túmulo, e que anotou o relato para nossa felicidade.
Mas, diferentemente dos Teosofistas, cuja visão dos Mestres chegava às raias da idolatria e fomentava a passividade mais abjeta (e que foi severamente denunciada por Krishnamurti em seu discurso de rompimento com a Sociedade), o que eu vejo no caso da visão de Fergus e nos debates rabínicos transdimensionais é uma relação mais igualitária e afetuosa, a visão que o Druidismo tem dos Ancestrais do Espírito, os que nos passaram a Tradição quando foi a nossa vez de zelar por ela, e que nunca deixaram de estar por perto para aconselhar e trazer um lampejo de Inspiração.
E além disso -- aqui é uma especulação minha -- a própria ocasião parece druidicamente auspiciosa, com o Sol em Touro oposto à Lua Cheia: Plutarco nos diz que as "eras" druídicas duravam mais ou menos 30 anos, contando o tempo que Saturno levava para entrar no primeiro grau de Touro, dar a volta no Zodíaco e retornar ao ponto de partida, e o Caldeirão de Gundestrup mostra a constelação de Touro, completa com suas vizinhas Órion, Cão Maior e Lebre, e repete essa configuração 3 vezes para marcar a sua importância...
Assim sendo, pelos motivos acima expostos, eu tomo posse do Wesak em nome dos Druidas modernos, no espírito dos Druidas antigos, e o resignifico para ser o Festival dos Sábios, uma clareira aberta no círculo do tempo, uma noite mágica onde os Antigos nos falam em meditação, visão ou sonho, e da qual, quem sabe, acordemos amanhã um pouquinho mais sábios.
Que a luz da Lua lhes ilumine a noite!

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